Fonte: José Tadeu Pinheiro, Adolfo Stotz Neto, Márcia R. R. Stähelin, Angela Tresinari e Alfredo Martins
A história da astronomia registra inúmeras narrativas epopeicas da evolução do conhecimento científico. Ela está intimamente ligada a uma das perguntas fundamentais da humanidade: De onde viemos? As ancestrais mitologias da criação do universo contadas nas cosmogonias de todas as civilizações, permeadas de deuses e heróis, teve seu ápice no período helenístico. Mesmo ali na efervescência dos templos e cultos, filósofos já apresentaram seus questionamentos quanto as suas credibilidades. Os verdadeiros gigantes, estes sim, homens e mulheres dotados de grande inteligência, perspicácias, perseverança e coragem, é que foram paulatinamente quebrando paradigmas esdrúxulos e descortinaram com racionalidade uma sempre maior aproximação da realidade senciente.
Tales de Mileto (1º filósofo ocidental; a água é a principal matéria do universo), Anaximandro (rascunho da teoria da evolução), Pitágoras (geometria explica a natureza) , Heráclito (tudo se transforma), Parmênides (o mundo é uma ilusão), Demócrito (átomo), Sócrates (só sei que nada sei), Platão (academia), Hipátia (matemática) e Aristóteles (a experimentação é o verdadeiro caminho para o conhecimento). Estas são algumas sumidades intelectuais cuja época culminou com o nascimento da astronomia científica por Hiparco de Nicéia (190 ~120 AEC).
Esta plêiade de gênios científicos e seus conceitos, assentados nas importantes contribuições babilônicas e arábicas, continuaram gerando especulações sobre a modelagem do universo. O fascínio exercido pelos enigmáticos movimentos dos planetas no céu noturno contra um fundo de estrelas fixas foi um dos maiores desafios para decifrar o mundo conhecido. Cláudio Ptolomeu (85 ~ 141 EC), derivou as considerações de Aristóteles e formulou uma forte explicação da esfera celeste através do Modelo Ptolomaico Geocêntrico em sua famosa obra Almagesto, um tratado de 13 volumes. Esta compreensão da realidade teve uma longa existência, praticamente um milênio e meio, justamente porque ela se conjurava com a assertiva bíblica / religiosa de que a Terra era indubitavelmente o centro da criação e portanto do próprio universo. Até que… com o aumento da exatidão das observações astronômicas, ficou evidente que este modelo não funcionava.
Surgiu então, entre 1.543 e 1.687 da Era Comum, uma nova geração de avatares dos gênios ancestrais, representados por Copérnico (De revolutionibus orbium coelestium; Modelo Heliocêntrico do sistema solar), Tycho Brahe (Uraniborg, astrometria de Marte), Johannes Kepler (Leis de Kepler), Galileu Galilei( 1ª observação telescópica em 1.609) e Issac Newton (Lei universal da gravitação). De modo inquestionável para a ciência, e mais tarde pela religião papal, o Modelo Geocêntrico do universo foi substituído pelo Modelo Heliocêntrico do Sistema Solar, abrindo caminho para a moderna cosmologia.
Neste sentido, podemos afirmar que houve sim, uma “Pedra Angular” para a reconfiguração do conhecimento da astronomia: ela chama-se Tycho Brahe (1.546 – 1.601). Ele foi o último grande astrônomo observacional da era que precedeu a invenção do telescópio. As suas observações da posição das estrelas e dos planetas alcançaram uma precisão sem paralelo para a época. Foi justamente esta imprecisão da astrometria que deu fôlego para o Geocentrismo: erros grosseiros na determinação da posição dos planetas, deixavam despercebidos os delicados detalhes das órbitas de suas órbitas. Tycho construiu dois instrumentos soberbos cujas resultados observacionais foram cruciais para a extinção dos epiciclos de Copérnico.
Afora suas idiossincrasias do nariz de metal, consequência de um duelo de espadas com outro aluno aos seus 20 anos de idade, e de seu alce de estimação, o qual lhe acompanhava em festas e banquetes, o dinamarquês Tycho Brahe estava predestinado a ser um destacado astrônomo: em 1.572 observou o surgimento de uma nova estrela na constelação de Cassiopeia, redescoberta em 1960 como remanescente de uma supernova, o belíssimo SN 1572; em 1.577 observou um grande cometa, hoje designado C/1577 V1, um dos cinco mais brilhantes registrados na história. Estas suas preciosas descrições e explicações destes fenômenos discordavam das interpretações reinantes à época, qual sejam: a esfera das estrelas não eram imutáveis, novas estrelas surgiam na esfera celeste; e os cometas não eram fenômeno atmosféricos, e sim, astros celestes. Por seu protagonismo na astronomia, o Rei Frederico II da Dinamarca deu recursos a Brahe para construir um observatório nos arredores de Copenhague, na Ilha de Hven. Denominado de Uraniborg, era o melhor observatório da Europa. Ele construiu e calibrou novos instrumentos, alcançando uma precisão de 2 a 0,5 minutos de arco (1/60 de grau) contra 15 minutos de arco dos demais observatórios.
Brahe viveu numa época dividida entre dois sistemas de mundo: o antigo mundo Geocêntrico Ptolomaico e o novo mundo Heliocêntrico Copernicano. Paradoxalmente ele admitia consistências em cada um destes modelos. Se por um lado abolia a Esfera Fixa de Estrelas de Ptolomeu, ele não aceitava que a gigante Terra girasse em torno do Sol na velocidade de um bólido (Newton e a gravitação ainda não tinham nascidos). Restou-lhe portanto criar um outro sistema original, intermediário, o conhecido Modelo Ticônico: Todos os planetas , com exceção da Terra, orbitam o Sol, e o Sol e a Lua orbitam a Terra. Esta verdadeira elocubração celestial deu um consolo aos geocentristas mas ao final todos foram superados. Os copernicanos ficaram sem a órbita circular perfeita da Terra e os ticônicos sem a Terra ter a notoriedade de ser o centro do universo.
Por divergências com o novo rei dinamarquês Cristiano IV, em 1599 Tycho mudou-se para Praga onde construiu novo observatório. Neste período, o já importante astrônomo Johannes Kepler trabalhou como assistente dele. Tycho estava envolvido numa guerra particular com Marte, registrando cuidadosamente suas coordenadas para compreensão de sua órbita. Tendo falecido Brahe em 1.601, Kepler foi nomeado o novo astrônomo real. Ele então herdou todos dados minuciosos Brahe e com seu próprio e impecável talento concluiu que a órbita de Marte não era circular mas sim, elíptica, com o Sol ocupando um dos focos. Desta compreensão originaram-se as 1ª, 2ª e 3ª Leis de Kepler do movimento planetário, determinando nova era na astrometria, na compreensão do sistema solar e no desenvolvimento da astronomia.
Por sobre todas estas maravilhosas consequências, houve um fator que jamais deve ser olvidado: Kepler teve confiança inabalável nos dados coletados por Tycho Brahe. Esta integridade intelectual, moldou as atitudes dos homens de ciência. E assim ele conseguiu demonstrar que a velocidade do planeta Marte era maior no seu periélio do que no seu afélio. Desde aí, ele reconheceu na elipse a forma real para as órbitas planetárias.
As observações de Júpiter e seus descobertos satélites Io, Europa, Ganimedes e Calisto por Galileu Galilei deram a sustentação palpável para consolidação do Modelo Heliocêntrico. Somada a descoberta da Lei da Gravitação Universal por Issac Newton, revelou-se uma nova mecânica do sistema solar, uma nova física, elevando o patamar da nossa civilização em direção a Idade Contemporânea. Considerando todos estes personagens gigantes da ciência que foram citados, é de se concluir, com toda certeza: Se não foram deuses, chegaram muito perto disso.
RELATO DE JOSÉ TADEU PINHEIRO DESDE VIAGEM À EUROPA:
OBJETIVO MAIOR – PRAGA – VISITA AO JAZIGO PERPÉTUO DE TYCHO BRAHE
A viagem foi facilitada por ter eu uma filha morando em Paris, a qual prontificou-se a formatar um excelente roteiro com destaque especial para Praga, capital da República Tcheca, para mim e o amigo Presidente do GEA – Grupo de Estudos em Astronomia, Adolfo Stotz Neto.
Partimos de Paris dia 18 de Julho de 2008 com o objetivo principal de visitar o túmulo do famoso astrônomo da antiguidade Tycho Brahe, cujos restos mortais repousam no interior da Igreja de Nossa Senhora diante de Týn, na Praça da Cidade Velha, local do também famoso Relógio Astronômico de Praga.
Embarcamos em um avião Boeing Modelo 737-505, pequeno para as linhagens boeings, próprio para operar em pistas curtas, embora com potentes turbinas, da empresa aérea Smartwings. Acomodados na aeronave, depois de um pequeno tempo de aguardo para liberação da pista, o avião foi acelerado e em poucos segundos estava voando, e continuou acelerando com uma subida espetacularmente quase vertical, assustando muitos passageiros a bordo, a ponto de uma jovem senhora sentada na poltrona ao nosso lado fazer uma expressão de medo e falar em inglês com o Adolfo que prontamente traduziu para o Português; “Ela falou que alguns pilotos que atuam nesta empresa, eram pilotos de caça da extinta União Soviética, mas este passou da conta” . O voo, afora o pequeno susto, foi sem nenhuma maior anormalidade: Semelhante a um foguete moderno, subiu verticalmente e mergulhou sobre a República Tcheca, mais precisamente sobre sua capital. Pouso meio brusco, mas nada de anormal, chegamos a Praga.
No saguão do aeroporto, motorista do taxi nos esperando com a famosa cartolina com a inscrição Mr. Pinheiro. Mergulhamos no taxi e seguimos em direção ao hotel. O tradicional Charles Hotel, vizinho a famosa Ponte Charles, um dos pontos turísticos de Praga.
Missão primeira, visitar o túmulo do famoso Astrônomo. Nada longe, ao contrário, caminhada sobre a ponte, chegando ao outro lado do rio Volga e já estávamos a poucas centenas de metros da Praça do Relógio e da Igreja de Nossa Senhora diante de Týn. Esta maravilhosa igreja com sete séculos de existência, se destaca por suas imponentes torres, apresenta 19 altares decorados, importantes pinturas e mobiliário gótico, acolhe no seu interior o túmulo com os restos mortais de Tycho Brahe, o melhor astrônomo observador de planetas da era pré-telescópio, importantíssimo na descoberta da mecânica so sistema solar.
Lá chegando, ansiosos e de máquina fotográfica em punho, lemos em letras garrafais no Idioma inglês “Expressamente proibido fotografar” . A sublegenda, “Em tentativa, o material será apreendido”. Recolhi minha máquina fotográfica, visitamos a igreja, o túmulo do Grande Astrônomo, e começamos a traçar um plano para uma possível foto do interior da igreja. Nosso principal alvo, o túmulo, com o desafio de na entrada da igreja estava, além do aviso, um homem “padre” que em voz forte emitia o alerta: “No photos”.
Almoço, retorno ao Hotel, e voltamos a praça do relógio com o plano: a igreja fecha pontualmente ás 17:00h, quando as portas estiverem se movimentando, o Adolfo fica palestrando com o Padre no Idioma inglês e eu irei fotografar o túmulo. Plano em prática: aguardamos as últimas pessoas, provavelmente turistas que visitavam a igreja saírem, e quando a porta principal já estava se movimentando, eu e meu companheiro chegamos e logo o Adolfo fez o proposto, dialogar com o padre que empurrava com certa força a pesada porta no encerramento de visitas de mais um dia. Sorrateiramente avancei pela igreja adentro por uma das laterais, obrigado pela situação que estava a ocorrer, em direção ao altar mor. O túmulo fica próximo, mas para meu azar caminhava dentro da igreja na lateral contrária, impedido de seguir pela outra lateral que já estava com a porta semifechada. Quando já a meio da igreja, o escuro se fez presente, com as luzes internas da igreja apagadas, a meio da nave enxerguei a lápide do túmulo com certa dificuldade, apontei a câmera e com o zoom máximo de 12X, flash desligado para não chamar atenção. Estávamos numa terra estrangeiras e no caso de infração, nunca se sabe o que poderia acontecer. Disparei o obturador da câmara duas vezes. Não posicionei os comandos da câmara para abertura condizente, acionei no modo automático. Com rapidez, joguei a câmara dentro da pequena bolsa. Quando já no hotel conferimos a imagem obtida. Infelizmente devido a falta de iluminação, o modo automático demorou a fechar o diafragma e o que obtivemos foi uma imagem desfocada.
As fotos conseguidas por este que escreve, obtidas há 16 anos atrás, está logo abaixo:
Que nos perdoe Tycho Brahe por não ter obtido a imagem que gostaríamos para celebrar tão importante momento de nossa saga pelos meandros internacionais da astronomia. Mas foi um registro especial e exclusivo desde Praga, que finalmente conseguimos trazer e mostrar aos nossos colegas do GEA, para o júbilo de todos.
Felizmente, após 16 anos, a nossa colega e associada do GEA, Márcia Regina R. Stähelin, visitando Praga com a família em novembro de 2024, igualmente colocou em seu roteiro uma visita para as devidas reverências ao famoso astrônomo. Já conhecedora da relevância de Brahe para o desenvolvimento da astronomia, teve duas felicidades: uma, de desfrutar desta oportunidade de conhecer in loco páginas históricas da astronomia; outra, com a anuência de sua guia turística, documentar com excelentes imagens este afamado sítio de peregrinação justo por um lapso da presença do sentinela para policiar os celulares. Estes belíssimos registros estão disponíveis na Memória Visual que segue.
MEMÓRIA VISUAL
IGREJA N.S. diante de TÝN
Fonte: Márcia Regina R. Stähelin
TYCHO BRAHE
Fonte: Alfredo Martins + Internet BBC
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