Fonte: Alfredo Martins e Sérgio Schmiegelow
O ano de 1994 foi praticamente todo dedicado a um dos maiores eventos celeste em Santa Catarina: o Eclipse Solar Total de 04 de novembro. Porém, os grandes acontecimentos do Céu, muitos deles previsíveis como o eclipse citado, as vezes são surpreendentes, “aparecem do nada”. Esta foi a façanha do Cometa Shoemaker-Levy 9. Em 16 de julho de 1994 ele se chocou com o planeta Júpiter, sendo a primeira vez na história que os astrônomos puderam observar este tipo de colisão no Sistema Solar. E o GEA estava entre os extasiados observadores que em tempo real, desde o pátio do Planetário-UFSC, viu a rotação do gigantesco planeta apresentar a evidência da já anunciada colisão: manchas escuras foram se sucedendo na superfície gasosa de Júpiter. Nos tempos primitivos da internet, estar “ao vivo”, compartilhando a visão e emoção do inusitado evento com astrônomos de todo mundo, foi realmente uma noite gloriosa para o GEA. Por tudo isso estamos resgatando agora esta preciosa memória do Grupo.
Segundo as fontes Space Today e NASA, no ano de 1993, os astrônomos Carolyn e Eugene Shoemaker e David Levy estavam conduzindo seus trabalhos no Observatório Palomar na Califórnia quando eles descobriram um cometa periódico que foi capturado pela força gravitacional de Júpiter. No imageamento por filme exposto por alguns segundos, apareciam pontos brilhantes enfileirados. A descoberta foi confirmada por Brian Marsden, da União Astronômica Internacional, como sendo um cometa fragmentado.
Nós sabemos que a maior parte dos cometas no Sistema Solar orbitam o Sol, mas a massa de Júpiter é tão grande que ele tem a habilidade de capturar objetos que se aproximam dele, vide a maior parte de seus satélites naturais que são pedaços de rochas espaciais capturados pela intensa gravidade de Júpiter. Mas esse cometa em particular tinha características únicas, ele era muito grande, tão grande que a frequência de um impacto de um objeto desse tamanho é estimada em 6000 anos. Outra característica única é que o cometa estava fragmentado, muito provavelmente pelo próprio planeta Júpiter que despedaçou o cometa na sua última passagem. E outra característica era a sua órbita altamente excêntrica. A órbita do cometa Shoemaker-Levy 9 como era conhecido tinha uma excentricidade de 0.98, ou seja, quase que uma órbita hiperbólica perfeita. Levando em consideração todas essas características e fazendo as contas necessárias, os astrônomos descobriram que o cometa tinha uma grande possibilidade de colidir com Júpiter, e com o passar do tempo e com a melhoria nos cálculos eles descobriram que isso iria realmente acontecer. Os astrônomos então definiram que o impacto do cometa com Júpiter iria acontecer em algum momento em julho de 1994.
E a partir de então, começou toda uma movimentação de todos os astrônomos, telescópios e agências espaciais para testemunhar aquele que seria um dos maiores espetáculos já vistos pela humanidade, a colisão de um cometa com Júpiter. Os astrônomos começaram então a monitorar o cometa, usando principalmente o Observatório Keck, o telescópio MPG/ESO, o telescópio espacial alemão ROSAT X-Ray, o Hubble Space Telescope e as sondas espaciais Galileo e Ulysses da NASA. Observações mais detalhadas mostravam que havia um total de 21 fragmentos, sendo o maior com cerca de 2 quilômetros.
Logo depois do impacto do chamado Fragmento A, a sonda Galileo viu uma grande bola de fogo entrar em erupção, no momento do impacto a temperatura chegou a 24 mil graus Celsius e levantou uma pluma de 3000 quilômetros. Tudo isso foi uma surpresa para os astrônomos, que não esperavam ver as bolas de fogo do impacto. Quando Júpiter rotacionou e os locais dos primeiros impactos se viraram para a Terra, foi possível ver as grandes manchas escuras nos locais onde os fragmentos do Shoemaker-Levy 9 colidiram. Os impactos dos fragmentos criaram ondas de choque que varreram a densa atmosfera de Júpiter numa velocidade de 450 km/s, e tudo isso só sobre o primeiro impacto.
Nos seis dias seguintes, entre 16 e 22 de julho de 1994, os fragmentos do cometa Shoemaker-Levy 9 continuaram bombardeando Júpiter. O maior impacto foi o do chamado Fragmento G que bateu em Júpiter em 18 de julho de 1994 e produziu uma explosão 600 vezes mais potente do que todo o arsenal nuclear da Terra, e deixou em Júpiter uma cicatriz do diâmetro da Terra. Tão espetacular quanto os impactos iniciais, foram as marcas deixadas por eles na atmosfera de Júpiter.
Outro destaque deste evento foi apontado na revista Superinteressante publicado em 9 julho 2019 : Além de ter fornecido aos cientistas dados inéditos, o evento também soou a sirene para o fato de que o Sistema Solar não é tão estático quanto parece. Grandes colisões não eram coisa do passado distante – e se Júpiter estava vulnerável, a Terra também podia estar. Caso tivesse atingido nosso planeta, o resultado provavelmente teria sido uma catástrofe parecida com a que dizimou os dinossauros, há 66 milhões de anos. “O Shoemaker-Levy 9 foi meio que um soco no estômago”, disse em comunicado da NASA a astrônoma Heidi Hammel, que coordenou estudos importantes ao longo do acontecimento. “Ele realmente reforçou nosso entendimento do quão importante é monitorar nossa vizinhança local, e entender qual é o potencial para impactos na Terra no futuro”, explica a pesquisadora, líder das observações realizadas pelo Hubble.
Uma comparação inevitavelmente foi apresentada: E se esta colisão fosse com o Planeta Terra? Sem dúvidas que seria suficiente para destruir a vida na Terra. Seria a data do fim do mundo: 16 de julho de 1994, às 16h50 de Brasília. Ondas sísmicas, maremotos e vulcões ativos por todo planeta tornariam sua superfície inabitável. Este evento ímpar, que desde a invenção do telescópio por Galileu Galilei há 400 anos nunca nada parecido foi observado, felizmente são raros. O mais significante que atingiu a Terra foi há 66 milhões de anos, extinguindo 70% dos seres vivos do planeta, incluindo os dinossauros que aqui prosperaram por 167 milhões de anos. Então, foi um aviso para lembrar da vulnerabilidade da Terra como corpo celeste e da fragilidade da vida num universo vivo, com grande movimento e regido por forças extraordinárias.
A publicação Astronomy Magazine – August 1994, trouxe excelente matéria: A colisão do Grande Cometa – O fim de uma linha. A chamada do texto dizia o fundamental para o GEA: Com planejamento, você e seu telescópio podem olhar a história acontecendo. Na Edição October 1994: A Morte de um Cometa – Shoemaker-Levy 9 bate em Júpiter, com excelentes imagens desta colisão. Em November 1994 – Últimas Fotos do Cometa Esmagado; Apresentando as imagem da Sonda Galileo, as primeiras e intrigantes questões foram apresentada: Por que as manchas das colisões eram escuras, porquanto se esperava o levantamento de plumas gasosas que seriam iluminadas e brilhantes? Por que não houve Ondas Sísmicas, somente Sonoras?
A publicação Sky & Telescope – July 1994 trazia reportagem com previsões do evento: Astrônomos e Artistas Antecipam a Colisão do Cometa S-L 9 com Júpiter; Excelentes diagramas e representações artísticas aumentaram a emoção da espera do grandioso espetáculo. Em October 1994, a capa estourou – IMPACT! Cometa SL-9 Colide com Júpiter: A Grande Colisão de 1994; Um Primeiro Relato – Astrônomos avaliam seus sem precedentes ganhos científicos. A Edição November 1994 apresentou os “Admiráveis Relatórios dos Astrônomos Amadores”. Um grande alento para o GEA.
FINALMENTE, depois de tantas expectativas, chegou à noite do impacto, 16 de Julho de 1994. O GEA reuniu parte de seu staff e aficionados da astronomia no pátio do Planetário UFSC. Com as graças de Zeus, o céu estava limpo, livre de nuvens, e o Planeta Júpiter apresentava configuração orbital altamente favorável para visualização. E o mais importante nós tínhamos: o excelente Telescópio Celestron 8” (polegadas de abertura), do associado e exímio astrônomo amador, Sérgio Schmiegelow. Nas primeiras observações, o disco do gigante planeta apresentava-se normal, visto que a recente colisão ocorreu na face oposta à Terra. Entretanto, por sua rápida rotação – 9h 56m, logo apareceu a 1ª mancha de impacto, perfeitamente distinguível na superfície gasosa. Uma grande emoção de alegrias tomou conta do Grupo. Sabíamos que estávamos mundialmente conectados por um evento ocorrendo ao vivo à distância de 700 milhões de km desde nós, nos confins do Sistema Solar. A ansiosa espera foi finalmente coroada com êxito completo, entrando para a história do GEA como uma data consagrada, para sempre ser celebrada em prol da reconhecida relevância do Grupo de Estudos de Astronomia do Planetário UFSC.
PRESENTES neste magnífico evento: Sérgio Schmiegelow (Diretoria de Observações do GEA), Adolfo Stotz Neto (Presidente do GEA), Alfredo Martins (Vice-presidente do GEA), José Geraldo Mattos (Secretário do GEA), Edna Mª E. da Silva (Diretora do Planetário), José Tadeu Pinheiro (Associado), Marcos Boheme (Associado), Luiz B. Dal Molin (Associado), Kay , Saalfeld (Associado), Sidney Linhares (Estudante de geografia) e mais três aficionados da astronomia.
MÍDIAS – Um dos autores deste post, Alfredo Martins, coletou dezenas de publicações na imprensa à época deste épico evento celeste. Citaremos algumas para dar a dimensão da sua relevância nacional e internacional para a astronomia:
# ASTRONOMY Magazine – Edições August 1994, October 1994 e November 1994.
# SKY & TELESCOPE – Edições July 1994, October 1994 e November 1994.
# Cosmic Crash – TIME.
# Júpiter: A Colisão dos Mundos – MANCHETE.
# Trombada Cósmica; Inferno Cósmico – VEJA.
# Cometa cria “Olho Roxo” em Júpiter; Manchas das Colisões Persistem em Júpiter – FSP.
# Austrália vê Grande Choque de Cometa em Júpiter – O ESTADO DE S. PAULO.
# Surge Mancha do Tamanho da Terra – FRANCE PRESSE.
# Cometa Causa Outra Surpresa em Júpiter; Astrônomos se Entusiasmam – GAZETA DO POVO.
# Choque Cósmico Durará Mais Tempo – O GLOBO.
# Maior Acontecimento já Visto – JORNAL DA TARDE.
# Cometa Bombardeará Júpiter; Colisão Deixa os Astrônomos Atônitos – DIÁRIO CATARINENSE.
MEMÓRIA VISUAL I
O GEA OBSERVA A COLISÃO DO COMETA SL-9 COM JÚPITER
MEMÓRIA VISUAL II
O COMETA SL-9 E A COLISÃO NAS MÍDIAS