Fonte: Alfredo Martins
O ano de 2025 é histórico para o GEA – Grupo de Estudos de Astronomia. Estamos celebrando 40 (quarenta) anos de atividades ininterruptas na divulgação pública da ciência Astronomia, junto ao Planetário UFSC, em Florianópolis, Santa Catarina. Neste período, muitos significantes eventos do céu da realidade foram acompanhados. Dezenas de cursos à comunidade de aficionados e corpo discente da universidade bem como centenas de aulas foram realizados. Ao par destas esmeradas programações, estiveram contribuindo com dedicação excepcional as suas diretorias e seus associados. Nosso, por quase tempo integral, presidente do GEA – Adolfo Stotz Neto, capitaneou o Grupo por estes quatro decênios, sempre com a voluntária, competente e capacitada coloração das bienais diretorias.
Tal qual brilhantes cometas que passam, deslumbrando e deixando uma memória permanente, alguns associados atingiram o patamar de celebridade, merecendo toda nossa gratidão e honrarias. Muitos deles já foram destacados nesta “História do Grupo”. Plenamente justificado, portanto, neste icônico 40 Anos do GEA, celebrar uma sumidade da astronomia amadora, àquela que colocou o GEA no cenário internacional com a convivência de famosos astrônomos, a nossa estimada e memorável – Helga Roth Szmuk.
Helga Daisy Roth nasceu em 5 de outubro de 1922, em Wien, Áustria, seu pai, Aladar Roth, tinha 38 anos e sua mãe, Margarethe Margit Löwy, tinha 33 anos.
Seu pai Roth era Capitão de Marinha Mercante e ela foi sua companheira na infância. Nas viagens de navio ele mostrava o céu estrelado e como se orientar pelas estrelas. Também ensinou a ela como usar o Sextante antes mesmo que soubesse ler. Com ele aprendeu a ver as horas pelo deslocamento da constelação Ursa Maior e descobriu as estrelas e planetas. Quando havia um eclipse solar próximo à rota do navio, o percurso era desviado para a faixa de totalidade. Assim aprendeu que “O eclipse solar total é o fenômeno mais emocionante do Sistema Solar. Cada um é diferente, como se fosse uma impressão digital”. À época da Segunda Grande Guerra Mundial, com a invasão alemã e aumento das perseguições, o Capitão Roth transportava judeus clandestinamente pelo Danúbio (mais de 2.000 deles), em direção ao Mar Negro e Israel (Estado ainda não criado), onde futuramente a família se refugiou. Já casada (1942) com um médico húngaro refugiado – Imre Szmuk e com dois filhos, viram as hostilidades entre judeus e árabes crescerem. Então o Capitão Roth recomendou que viessem para o Brasil, “o país do futuro”.
Sua mãe Margarethe era descendente dos Habsburgos. Personalidades de diversas áreas frequentavam sua a casa, como o pioneiro da psicanálise Sigmund Freud, o músico Gustav Mahler e a teórica política Hannah Arendt. Na tradição judaica de dar educação saudável aos seus filhos, Helga aprendeu balé, patinação, música, se tornou especialista em identificação digital e poliglota.
Helga desde a infância teve seu destino selado com a astronomia. Seu papai Roth, além de seus ensinamentos práticos, aprendeu a construir telescópios com Miklós Konkoly, astrônomo, físico e nobre húngaro, que hoje dá o nome ao Observatório da Academia Húngara de Ciências. Justamente a instituição de onde veio um dos seus acompanhantes ao Eclipse Total do Sol de 03 Novembro de 1994 – o astrônomo Attila Mizser.
Sua maior paixão na astronomia foram os eclipses. O mais memorável foi o de 1992, quando sobrevoou o Atlântico perseguindo a zona de totalidade por 9 (nove) minutos, considerado um record mundial. Para nós do GEA, sem dúvidas. o eclipse mais importante de Helga foi o de 1994, com totalidade cortando Santa Catarina de oeste para leste. Nesta oportunidade, acompanhada de John Dobson e Attila Mizser, juntou-se à caravana do GEA com destino a Lages, Fazenda Ciclone. Dobson foi fundador do clube californiano de astronomia amadora Sidewalk Astronomers (Astrônomos de Calçada) e inventor do importante modelo de telescópio Dobsoniano. Attila é astrônomo profissional da Hungarian Astronomical Association. O GEA manteve contato com estas instituições por longo período.
John Dobson, depois do Sol e da Lua, foi com certeza o maior astro deste evento. Muito assediado pela imprensa, deixou algumas pérolas em sua entrevista: Como concilia a religião e a ciência? – Isso depende de que religião estamos falando, não tenho problemas com isso (ele teve contato com a tradição budista); Por que é importante disseminar o conhecimento sobre a astronomia? – Aspessoas precisam saber onde moram. Você não vive numa cidade, mas no Universo. O Sr. gostaria de dizer algo especial sobre seu relacionamento com Helga Szmuk? – Helga me levou ao Brasil e foi uma viagem ótima. Eu sou muito agradecido a ela por ter nos recebido para o segundo eclipse solar total que eu vi, e o primeiro com meu filho Loren. Para o GEA, ficou a impressão de um homem humilde, reservado, atencioso e luminoso, típico daqueles de alma grande, uma beleza espelhada na Coroa Solar, como disse repetidas vezes: “The corona is blue”.
Texas Star Party (Festa das Estrelas do Texas) – Um dos maiores encontros de astrônomos amadores e profissionais do mundo – outra paixão de Helga. Nela encontram-se os grandes nomes da astronomia e com ela não foi diferente. Numa das várias que participou, sentou-se à mesa com dois gigantes: Clyde Tombaugh, o único homem vivo que descobriu um planeta (há época, Plutão) e David Levy, descobridor do Cometa Shoemaker-Levy 9. Helga virou piada nesta TSP quando perguntou para Clyde como ele havia descoberto Plutão, ao que ele respondeu: “Foi fácil, tinha uma seta no mapa”. Além destes admiráveis astrônomos, Helga com sua simpatia e filosofia de fazer amigos, Helga desfrutou da companhia de Carl Sagan, Eugene e Carolyn Shoemaker, Alan Hale e muitos outros importantes.
Coroando sua trajetória pela astronomia, em 1987, morando em São Paulo, observando o céu desde sua sacada, notou uma estrela desconhecida na Grande Nuvem de Magalhães e ligou para uma Hotline: ela foi a 5ª (quinta) pessoa a dar a notícia da Supernova de Shelton (SN1987A), a primeira a ser vista a olho nu e estudada com aparelhagem moderna. Como prêmio, foi convidada para ir à Texas Star Party, da qual participou 16 vezes até perder quase toda visão face a um descolamento de retina.
Ela manteve contato com os maiores grupos de discussão de astronomia brasileiros, como a Rede de Astronomia Observacional (REA), Clube de Astronomia (CdA), Urania e Clube de Astronomia de São Paulo (CASP), do qual é membro fundador, além de listas de discussão nos EUA , Hungria e Áustria.
Helga chegou ao Brasi em 1958, morando em albergue para imigrantes. Seu marido Irme Szmuk foi convidado para trabalhar no Hospital das Clínicas e ela lecionava inglês. Tendo amigos no mundo inteiro, continuou perseguindo eclipses: “Sou muito rica. Tenho amigos no mundo inteiro.” Em 2004 mudou-se para Ingleses, Florianópolis, SC, onde conviveu alegremente com a comunidade: “Os pescadores são pessoas mais receptivas, vivem com o olhar voltado para longe, assim como os astrônomos”. Faleceu em 27 de fevereiro de 2011 e suas cinzas foram lançadas ao mar respeitando seu último pedido.
Este texto teve como base o brilhante artigo “Helga e suas histórias de eclipses” por autoria de Lucas Telles, Revista Astronomy Brasil, Edição Agosto 2007, o qual segue digitalizado.
Astronomy Brasil / Agosto 2007
Helga e suas histórias da Terra e do Céu
CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE HELGA ROTH SZMUK
ANUÁRIO CATARINENSE DE ASTRONOMIA -2022
Fonte: Alexandre Amorim
“Outro amigo meu, o Alexandre Amorim, coleciona cometas. Ele se apaixonou pela primeira vez pelos cometas quando o Cometa Hyakutake passou no céu. São os visitantes dos extremos cantos do Sistema Solar que vêm nos visitar, às vezes. Eles é que trouxeram agua para a Terra. São rochas dentro de um manto de gelo que derrete quando se aproxima do Sol e criam a cauda que sempre aponta na direção oposta ao Sol. É o vento solar que faz isto. O Alex tem reports de todos os cantos da Terra sobre aparecimento de um eventual cometa e avisa o resto do mundo para seguir a trajetória dele. Sua coleção é de rara beleza.”
As palavras acima foram escritas por Helga Szmuk em uma de suas crônicas publicadas na Internetl3 em que ela gentilmente citou nosso trabalho de observação de cometas.
Na exposição da Semana Valentina, criada pela Liga Norte-Nordestina de Astronomia em 2014 e composta por 22 painéis que destacam algumas mulheres na Astronomia e na Astronáutica, Helga é uma das homenageadas. Mas quem foi essa mulher? E por que ela merece estar entre os painéis daquela exposição?
Helga nasceu em Viena (Áustria) em 5 de outubro de 1922.
Seu pai era capitão da marinha britânica e isso fez com que a menina Helga já se habituasse com a observação astronômica durante as viagens marítimas e manuseasse um sextante antes mesmo de aprender as primeiras letras. De origem judia, a família de Helga teve de se refugiar em vários países, principalmente depois que a Áustria foi ocupada pela Alemanha em 1938. Ela veio a se casar com o médico húngaro Imre Szmuk em 1942 e só chegaram ao Brasil em 1958. Mas na década de 1990 que Helga se envolveu mais ativamente na Astronomia, tendo o privilégio de ser uma das passageiras à bordo da aeronave DC-10, da VASP, que se deslocou até a linha de centralidade do eclipse total do Sol na manhã de 30 de junho de 1992. Seu contato com diversos observadores ao redor do mundo fez com que alguns deles, especialmente da Hungria e da República Tcheca, se deslocassem até Lages/SC para acompanharem o eclipse total do Sol ocorrido em 3 de novembro de 1994 junto com integrantes do GEA (Grupo de Estudos de Astronomia) e do Planetário da UFSC. Estavam naquela expedição o observador Avelino Alcebíades Alves e John Dobson, o idealizador da montagem dobsoniana para telescópios newtonianos. Helga gentilmente serviu de intérprete durante as entrevistas de Dobson para a imprensa local. Para a revista Astronomy Brasil, Dobson afirmou que “Helga me levou ao Brasil e foi uma viagem ótima. Eu sou muito agradecido a ela por ter nos recebido para o segundo eclipse solar total que vi, e o primeiro de meu filho Loren” . Além de participar de algumas edições do Texas Star Party, nos Estados Unidos, onde teve a oportunidade de conhecer astrônomos como Clyde Tombaugh e David Levy, Helga foi uma das motivadoras na criação do novo Clube de Astronomia de São Paulo (CASP) em 2001. Sem dúvida ficamos consternados com seu falecimento em 27 de fevereiro de 2011. Naquele mesmo ano o CASP organizou o 14° ENAST e concedeu em edição única o “Prêmio Helga Szmuk” ao astrônomo Tasso Augusto Napoleão.
Os textos e crônicas astronômicas de Helga ainda estão disponíveis na Internet e podem ser acessados no endereço:
http://www.riototal.com.br/coojornal/hszmuk-arquivo.htm
Fontes Consultadas:
Árvores Genealógicas My Heritage, Imre Szmuk, 1913-1986.
Disponível em: https://tinyurl.com/imre-szmuk.
Acesso em 30 set. 2021.
TELLES, Lucas. Helga e suas histórias de eclipses.
Astronomy Brasil, v. 2, n. 16 (Agosto/2007), pp. 70-75.
OBITUÁRIO DE HELGA SZMUK
GæA Astronomia
28 de fev. de 2011
Nota de Falecimento: Helga Szmuk
Faleceu no último fim de semana a astrônoma amadora Helga Szmuk. Nascida na Áustria e já aposentada, morando no Brasil, era frequentadora assídua de eventos astronômicos, inclusive em outras partes do mundo onde fez muitos amigos, alguns deles partes importantes da história da ciência no século XX.
Lúcida, sábia, motivadora… não cabem aqui todos os adjetivos desta mulher que encantou a todos com suas estórias, suas experiências, suas amizades e sua intimidade com o céu.
Helga será cremada, sem qualquer cerimônia. A pedido dela, suas cinzas serão jogadas ao mar.
Artigo Revista Rio Total
Depoimento de José Carlos Diniz (REA/CANF/NGC51):
“Recebi com imensa tristeza a notícia do falecimento da amiga Helga… nesse momento vem-me à mente o nosso primeiro encontro na Texas Star Party. Estimulado e auxiliado pelo seu entusiasmo, lá compareci .
Helga conhecia todo mundo e a todos me apresentava com alegria. Convivemos por uma semana sob aqueles céus e ainda agora , emocionado, escuto sua voz vinda da escuridão à minha procura: Dinixxxxx !!! Onde está você??? Ela pouco enxergava de um olho e nada do outro, mas pacientemente todos mostravam a ela seus telescópios e ela embevecida olhava, olhava, até distinguir o objeto, e de lá saía como uma criança, alegre e feliz por mais uma visão do Universo. Não tinha papas na língua, do alto de sua experiencia e vivência , dizia o que queria , na lata , sem rodeios, mas era suave nas relações e fraterna nas amizades.
Lutadora, nunca esmorecia diante dos obstáculos e ria das dificuldades. Usava letras grandes no computador para continuar a se comunicar. Participava de um monte de listas. Membro do Eclipse Chasers , ríamos quando ela contava que John Dobson dormira na sua casa. Conheceu e conviveu com um número enorme de celebridades da sua grande paixão, a astronomia. Dava aulas de inglês, nadava e só tinha oitenta e tantos anos ! Um exemplo. Suas histórias de vida eu as ouvia boquiaberto, era uma enciclopédia !
Era a primeira a reconhecer trabalhos dos colegas e seu entusiasmo era contagiante.
Hoje, triste, sinto saudades do pouco tempo vivido com Helga e choro sua perda que não é só minha, mas de toda a astronomia.
Adeus, amiga Helga. Ainda guardo comigo o Nescafé da primeira viagem…”
MEMÓRIA VISUAL