Fonte: Alfredo Martins
PRÓLOGO
O ano 2000 da Era Comum (EC) foi realmente especial. O mítico número de dois milênios foi celebrado mundialmente no seu primeiro segundo como se a humanidade estivesse entrado no segundo milênio do Anno Domini (d.C.). Sabidamente, como não existe o Ano Zero em nosso Calendário Gregoriano, o IIº Milênio da EC somente iniciou-se às 00:00 h de 1º de janeiro de 2001. Sem embargos, a comoção social referente ao “Y2K” foi repleta de festividades em todos os fusos horário do planeta espraiando boas-venturanças mundo afora.
Este não foi um evento isolado na história. Diversas outras descobertas e conquistas, nas ciência, artes, esportes etc. tiveram repercussão mundial, desencadeando a evolução e/ou enriquecimento do nosso processo civilizatório.
Assim foi com a descoberta de um novo planeta no sistema solar, quebrando um paradigma científico e cultural milenar da estrutura do mundo em que vivemos: O Sol, a Lua e os cinco planetas conhecidos desde a antiguidade (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) que nos deram referências culturais e astronômicas imprescindíveis – tal como os 7 (sete) dias da semana – ganharam um novo membro, o Planeta Urano.
Esta fantástica epopeia da astronomia foi maravilhosamente descrita por Carl Sagan, em artigo publicado na Astronomy Magazine / March 1995, que vai aqui publicado juntamente com sua tradução. Esta leitura imperdível reúne a elegância incomparável de Sagan na divulgação pública da astronomia abordando um marco histórico desta ciência fascinante.
Antes porém, faremos algumas considerações sobre o descobridor do novo planeta: o importante astrônomo William Herschel. De origem germânica, residindo em Hanover, por motivo da invasão francesa, aos 19 anos, emigrou para Inglaterra. Inicialmente se dedicou a carreira de músico como professor, performance e compositor. Dotado de grande curiosidade intelectual e estimulado pela leitura do livro A Compleat System of Opticks / Robert Smith, iniciou a construção de telescópios e assim nasceu seu apetite de observar o céu noturno, sempre acompanhado de sua fiel e prestimosa assistente – a irmã Caroline Lucretia Herschel.
Tendo fabricado grandes telescópios com ótica de qualidade feitas por ele mesmo, investigou o céu profundo registrando estrelas e nebulosas em catálogos, se consagrando como criador da Astronomia Sideral (do Céu Profundo). Por sua acurada observação entre 1784-1785, argumentou que as nebulosas eram compostas por estrelas (universos insulares), dando consistência ao conceito de Galáxias. Também propôs uma original Teoria da Evolução Estelar. Seus experimentos com ótica e temperatura, levaram a descoberta dos Raios Infravermelhos, que se revelou um avanço fundamental na astronomia e na física.
Então, em 1781, durante seu 3º e mais completo escrutínio do céu noturno, William deparou-se com um objeto que ele percebeu que não era uma estrela comum. Nem um cometa inicialmente pensado. Ele provou ser um novo planeta do sistema solar – posteriormente designado de Urano – o pai de Saturno, o deus do céu – o 1º descoberto desde a antiguidade.
William Herschel tornou-se Famoso da noite para o dia. Foi introduzido na Royal Society of London, homenageado com a Medalha Copley, e recebeu uma pensão anual de 200 Libras. Isto lhe permitiu abandonar as demandas musicais e devotar-se exclusivamente a astronomia.
Seu maior telescópio tinha diâmetro de 122 cm (48 polegadas) e distância focal de 12 metros. Foi completado em 1789 e se tornou uma das maravilhas tecnológicas do século 18, superando mesmo aquele usado no Observatório de Greenwich.
Nasceu em Hanôver, Alemanha, em 15 de novembro de 1738, registrado como Friedrich Wilhelm Herschel. Mudou-se para a Inglaterra em 1757. Tornado cidadão britânico com o registro de William Herschel, faleceu em 25 de agosto de 1822, em Slough, Inglaterra. . Suas observações possibilitaram catalogar mais de 2500 objetos astronômicos, descobrir o planeta Urano e duas de suas luas (Titânia e Oberon) – dobrando o tamanho do Sistema Solar, além de ser o primeiro a fazer observações do “céu profundo”, rompendo com a concepção de “Cúpula estrelar”. Outra grande contribuição de Herschel foi a descoberta do que ele chamou de “Raios caloríficos”, mais tarde provando ser a radiação infravermelha. Entre as maiores descobertas do telescópio Herschel estão a detecção de oxigênio no espaço, a identificação da fonte de água na atmosfera superior de Saturno, e o registro do nascimento de estrelas maciças. Sua casa em Bath, onde fez inúmeros telescópios e observou Urano pela primeira vez, abriga atualmente o Museu de Astronomia Herschel.
Seu epitáfio: Coelorum perrupit claustra. (Rompendo as barreiras celestes)
Caroline Lucretia Herschel nasceu em 16 de março de 1750 (Hanôver, Alemanha). Faleceu em 9 de janeiro de 1848 (Hanôver, Alemanha). Ela foi uma importante astrônoma, que descobriu oito cometas. Junto de seu irmão William Herschel, construíram diversos telescópios e publicaram Catálogos Celestes. Ela também foi a primeira cientista mulher a ocupar uma cargo governamental e receber um salário por seu trabalho, além disso foi a primeira mulher a receber uma Medalha de Ouro da Royal Astronomical Society em 1828.
HERSCHEL MUSEUM OF ASTRONOMY – BATH, INGLATERRA
O Astroturismo é uma experiência recreativa, prazerosa, e também científica: Os turistas podem simplesmente contemplar a beleza do céu estrelado em lugares adequados para este fim e aprender sobre a natureza dos astros e as constelações; Ou se aprofundar em estudos astronômicos, visitando lugares históricos para astronomia ou centros científicos importantes. Nunca esquecer desta máxima da memória histórica: Conhecer, para Reconhecer, para Celebrar.
Em 2002, de passagem por Londres, depois de visitar o famigerado Greenwich Observatory / Greenwich ( ponto de origem das longitudes terrestres etc.), o Trinity College / Cambridge (onde Issac Newton descobriu a Lei Universal da Gravitação), naturalmente percebi a oportunidade de uma visita a Bath, que fica à 185 km à oeste percorridos em 1:14 h por trem. Esta cidade se desenvolveu a partir do fato de invasores romanos terem ali descoberto nascentes de águas com propriedades milagrosas, no século I da Era Comum. Por isso mesmo, leva o epíteto de Cidades das Termas ou Banhos. E, por suas qualidades em geral, atualmente tem o status de Patrimônio da Humanidade, chancelado pela UNESCO desde 1987.
Willian Herschel, sua Irmã Caroline e o irmão Alexander fizeram a escolha certa para residir na Inglaterra: uma cidade calma e propícia para trabalhar, pesquisar e observar o céu noturno. Neste sentido, com dignidade, confiança, compromisso e proatividade, a família foi progredindo e se destacando no meio social e científico.
Uma grande parte deste legado está disponível no Herschel Museum of Astronomy, 19 New King Street, Bath, BA1 2BL, herschel@bptrust.org.uk.
Ao entrar na New King Street você imediatamente faz uma viagem no tempo, voltando 2.000 anos na história. O belíssimo “Crescente” da arquitetura urbana não deixa dúvidas que os romanos viveram ali. O museu fica próximo do seu início e uma pequena placa indica sua entrada ao 1º andar. Nela você lê: Aqui viveu William Herschel – A.D. 1781. O atendimento por uma senhora sexagenária foi de uma cortesia inesquecível. Do acervo, o que mais impressiona são as maquetes dos telescópios construídos por Herschel, especialmente o modelo utilizado na sua principal descoberta. Mídia com as músicas compostas pelos irmãos estão disponíveis para venda, bem como elementos desta atividade. Um auditório para assistir o vídeo sobre a vida de Herschel é passagem obrigatória. Documentos e mobiliário também são memórias daqueles tempos de 1781, pois foi justamente neste local que William e Caroline fizeram as observações e descobriram cometas, nebulosas e… o planeta Urano.
William Herschel repousa na Abadia de Westminster, próximo do espetacular sepulcro de Issac Newton. Estes gênios da humanidade, reunidos para nossa memória e reverência.
O PRIMEIRO NOVO PLANETA
Por milhares de anos, os observadores sabiam de apenas cinco planetas.
O mundo astronômico tremeu quando o telescópio de William Herschel revelou um novo – Urano.
Por Carl Sagan
Revista Astronomy, Março 1995
Antes de nós inventarmos a civilização, nossos ancestrais viviam principalmente ao ar livre, lá fora sob céu aberto. Antes das luzes artificiais, da poluição atmosférica e das formas modernas de entretenimento noturno, as pessoas observavam as estrelas. A observação de estrelas tinha razões práticas de calendário, mas havia mais do que isso. Ainda hoje, o morador mais cansado da cidade pode ser inesperadamente movido por uma noite límpida cravejada de milhares de estrelas. Quando isso acontece comigo depois de todos esses anos como astrônomo profissional, ainda me tira o fôlego.
Eu me deito em um campo aberto e o céu me cerca. Estou dominado por sua escala. É tão vasto e tão distante que minha própria insignificância se torna palpável. Eu sou uma parte disso – minúsculo para ter certeza, mas tudo é minúsculo em comparação com essa imensidão avassaladora. E quando me concentro nas estrelas, nos planetas e em seus movimentos, tenho um senso irresistível da mecânica celeste – precisão elegante trabalhando em uma escala que, por mais elevadas que sejam nossas aspirações, nos enerva e nos humilha.
A maioria das grandes invenções da história humana, desde ferramentas de pedra e domesticação do fogo até a linguagem escrita – foram feitas por benfeitores desconhecidos. Nossa memória institucional de eventos há muito passado é fraca. Não sabemos o nome daquele ancestral que notou pela primeira vez que os planetas eram diferentes das estrelas. Ela ou ele viveu dezenas, talvez centenas de milhares de anos atrás. Mas, eventualmente, as pessoas de todo o mundo entenderam que cinco, e não mais, dos pontos brilhantes de luz que enfeitam o céu noturno quebrando a sincronia com os outros durante um período de meses, movendo-se estranhamente.
Compartilhando o estranho movimento aparente desses planetas eram o Sol e a Lua, fazendo sete corpos errantes ao todo. Esses sete eram importantes para os antigos, então eles os nomearam como representantes dos deuses, não de nenhum deus antigo, mas os principais deuses, aqueles que dizem a outros deuses (e mortais) o que fazer. Um dos planetas, brilhante e lento, foi nomeado pelos babilônios em homenagem a Marduk, pelos nórdicos de Odin e mais tarde pelos romanos de Júpiter, em cada caso, o rei dos deuses. O fraco e rápido que nunca esteve longe do Sol que os romanos chamavam de Mercúrio, em homenagem ao mensageiro dos deuses. O mais brilhante deles nomeou-se Vênus, em homenagem à deusa do amor e da beleza; Marte vermelho-sangue, em homenagem ao deus da guerra; e o mais lento do grupo Saturno, em homenagem ao deus do tempo. Essas alusões foram o melhor que nossos ancestrais podiam fazer. Eles não possuíam nenhum instrumento científico além do olho nu. Eles estavam confinados à Terra e não tinham ideia de que ela também era um planeta.
Quando os estudiosos antigos projetaram o período de tempo da semana, sem significado astronômico intrínseco, ao contrário do dia, mês e ano – eles deram a ele sete dias e nomearam cada um com o nome de uma das sete luzes anômalas no céu noturno. Podemos facilmente ver os remanescentes desta convenção. Na língua inglesa, sábado (Saturday) é o dia de Saturno. Domingo (Sunday) e segunda-feira (Monday) são claros o suficiente (dia do Sol e da Lua). De terça a sexta-feira têm o nome dos deuses dos invasores saxões e teutônicos da Grã-Bretanha celta/romana. Quarta-feira (Wednesday), por exemplo, é o dia de Odin (de Wodin); quinta-feira (Thursday) é o dia de Thor. Sábado (sétimo dia da semana) veio dos romanos, mas os nomes dos outros dias têm raízes germânicas.
Esta coleção de sete deuses, sete dias e sete mundos – o Sol, a Lua e os 5 planetas errantes – entrou nas percepções das pessoas em todos os lugares. O número sete começou a adquirir conotações sobrenaturais. Havia sete “céus, as conchas esféricas transparentes centradas na Terra que foram imaginadas para fazer esses mundos se moverem. O céu mais externo, o sétimo céu, era onde as estrelas “fixas” foram imaginadas para residirem. Houve sete dias de criação (se incluirmos o dia de descanso de Deus), sete pecados capitais, sete demônios malignos no mito sumério, sete vogais no alfabeto grego (cada uma afiliada a um deus planetário) e sete “corpos” alquímicos (ouro, prata, ferro, mercúrio, chumbo, estanho e cobre, cada um associado a um planeta). Sete é um número da sorte. St. Agostinho argumentou obscuramente pela importância mística do sete com base no fato de que “Três “é o primeiro número inteiro que é ímpar” (e quanto a um?), “Quatro o primeiro que é par” (que tal dois?), e “destes… o Sete é composto”. E assim por diante. Mesmo em nossos tempos, essas associações persistem.
Vários séculos atrás, as pessoas não acreditavam na descoberta de Galileu dos quatro satélites de Júpiter – dificilmente os planetas os teriam – com base no fato de que desafiou a precedência do número sete. À medida que a aceitação do Sistema Copernicano crescia, o sistema solar tinha apenas seis planetas (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno). Então, surgiram argumentos acadêmicos eruditos que explicaram por que tinha que haver seis. Por exemplo, seis é o primeiro número “perfeito”, um número igual à soma de seus divisores (1 + 2 + 3). E de qualquer forma, houve apenas seis dias de criação, não sete.
Como aqueles adeptos do misticismo numerológico se ajustaram ao Sistema Copernicano, esse modo de pensar autoindulgente se espalhou dos planetas para as luas. A Terra tinha uma lua; Júpiter tinha as quatro luas galileanas. Isso fez cinco. Claramente uma estava faltando. (Não se esqueça: Seis é o primeiro número perfeito). O historiador da ciência I. Bernard Cohen, da Universidade de Harvard, apontou que depois que Huygens descobriu a lua de Saturno, Titã, em 1655 (a sexta), ele realmente desistiu de procurar outras luas porque era evidente, a partir de tais argumentos, que não havia mais a ser encontrada.
Dezesseis anos depois, ironicamente com Huygens na sua presença, Giovanni Cassini, do Observatório de Paris, descobriu uma sétima lua – lapetus, um mundo bizarro circulando Saturno fora da órbita de Titã. Pouco depois, Cassini descobriu Rhea, a lua de Saturno interior para Titã.
Quando os astrônomos fizeram reivindicações de novos mundos no final do século XVIII, a força de tais argumentos numerológicos havia se dissipado muito. Ainda assim, foi com uma verdadeira sensação de surpresa que as pessoas em 1781 ouviram sobre um novo planeta descoberto através de um telescópio. As novas luas eram comparativamente pouco impressionantes, especialmente após as primeiras seis ou oito. Que havia novos planetas a serem encontrados e que os humanos haviam criado os meios para fazê-lo, foram considerados surpreendentes. Se houve um planeta anteriormente desconhecido, pode haver muitos mais – neste sistema solar e em outros. Quem pode dizer o que pode ser encontrada se uma multitude da novos mundos está escondida na escuridão?
A descoberta nem foi feita por um astrônomo profissional, mas por WilliamHerschel, um músico cujos parentes vieram para a Grã-Bretanha com a família de outro alemão anglicizado, o monarca reinante e futuro opressor dos colonos americanos, George Ill. Tornou-se o desejo de Herschel chamar The Planet George (“George’s Star”, na verdade) em homenagem a seu patrono, mas, providencialmente, o nome não pegou. Em vez disso, o planeta que Herschel encontrou (ele pensou que era um cometa no início) é chamado de Urano, em homenagem ao antigo deus grego do céu que era o pai de Saturno e, portanto, o avô dos deuses do Olimpo.
Não consideramos mais o Sol e a Lua como planetas e contamos Urano como o sétimo planeta na ordem do sol. Os quatro planetas externos desde Júpiter revelam-se muito diferentes dos quatro planetas terrestres internos. Plutão é um caso separado, não se encaixando em nenhuma das categorias.
Com o passar dos anos e a qualidade dos instrumentos astronômicos melhorando, começamos a aprender mais sobre o distante Urano. O que reflete a fraca luz do sol de volta para nós não é uma superfície sólida, mas atmosfera e nuvens – assim como Júpiter, Saturno e Netuno. O ar em Urano é feito de hidrogênio e hélio, os dois gases mais simples. Metano e outros hidrocarbonetos também estão presentes. Logo abaixo das nuvens visíveis para os observadores terrestres estão enormes quantidades de amônia, sulfeto de hidrogênio e, especialmente, água.
Nas profundezas de Júpiter e Saturno, as pressões são tão grandes que os átomos perdem seus elétrons e o ar se torna um metal. Isso não parece acontecer em Urano menos massivo porque as pressões em profundidade são menores. Ainda mais fundo dentro de Urano, sob o peso esmagador da atmosfera sobrejacente, está uma superfície rochosa – descoberta apenas por puxões sutis nas luas do planeta e totalmente inacessível à vista. Um grande planeta parecido com a Terra está escondido lá embaixo, envolto em um imenso manto de ar.
A temperatura da superfície da Terra é devido à luz solar que ela intercepta. Desligue o Sol e o planeta logo esfria – não para o frio insignificante da Antártida, não apenas tão frio que os oceanos congelam, mas para um frio tão intenso que o próprio ar se condensa, formando uma camada de 10 metros de espessura de neve de oxigênio e nitrogênio cobrindo todo o planeta. O pouco de energia que escorre do interior quente da Terra seria insuficiente para derreter essas neves. Mas para Júpiter, Saturno e Netuno, é diferente. Seus interiores derramam tanto calor quanto suas superfícies adquirem do calor do Sol distante. Desligue o Sol e eles seriam afetados apenas um pouco.
Mas Urano é diferente: Urano é uma anomalia entre os planetas Jovianos. Urano é como a Terra, com muito pouco calor intrínseco derramando. Não temos uma boa compreensão de por que isso deveria acontecer – por qual razão Urano, que em muitos aspectos é tão semelhante a Netuno, não deveria ter uma fonte potente de calor interno.
Urano também é diferente de outra maneira: fica de lado enquanto gira em torno do Sol. Durante a década de 1990, o polo sul é aquecido pelo Sol, e é esse polo que os observadores terrestres veem quando olham para Urano. Urano leva 84 anos terrestres para dar uma volta ao redor do Sol. Assim, na década de 2030, o polo norte estará em direção ao Sol (e à Terra). Na década de 2070, o polo sul apontará para o Sol novamente. No meio, os astrônomos terrestres olharão principalmente para as latitudes equatoriais.
Todos os outros planetas giram muito mais eretos em suas órbitas. Ninguém sabe ao certo por que Urano gira de forma anômala. A sugestão mais promissora é que em algum momento de sua história inicial, bilhões de anos atrás, ele foi atingido por um planeta errante do tamanho da Terra que estava viajando em uma órbita altamente excêntrica. Tal colisão, se aconteceu, deve ter causado muito tumulto no sistema de Urano. Pelo que sabemos, pode haver outros vestígios de estragos antigos ainda para encontrarmos. Mas o afastamento de Urano tende a guardar os mistérios do planeta.
Em 1977, uma equipe de cientistas liderada por James Elliot (então da Universidade de Cornell) descobriu acidentalmente que Urano, como Saturno, tem anéis. Os cientistas estavam sobrevoando o Oceano Índico em um avião especial da NASA, o Kuiper Airborne Observatory, para testemunhar a passagem de Urano na frente ou ocultação de uma estrela distante. Os observadores ficaram surpresos ao descobrir que a estrela piscou várias vezes antes de passar por trás de Urano e sua atmosfera e várias vezes mais logo após emergir. Como os padrões de piscar e desligar eram os mesmos antes e depois da ocultação, essa descoberta (e muitos trabalhos subsequentes) levou à descoberta de nove anéis finos e escuros ao redor do planeta, dando-lhe a aparência de um alvo no céu.
Ao redor dos anéis, os astrônomos terrestres entenderam, estavam as órbitas concêntricas das cinco luas então conhecidas: Miranda, Ariel, Umbriel, Titânia e Oberon. Eles têm o nome de personagens de Sonho de Uma Noite de Verão e A Tempestade, de Shakespeare, e de O Estupro da Fechadura , de Alexander Pope. Dois deles, Titânia e Oberon, foram encontrados pelo próprio Herschel. O mais interno dos cinco, Miranda, foi descoberto em 1948, por meu professor Gerard Kuiper. Ele assim o chamou por causa das palavras ditas por Miranda, a heroína de A Tempestade: “Ó admirável mundo novo, que não tem pessoas assim”. Ao que Próspero responde: “É novo para ti”. Exatamente assim. Como todos os outros mundos do sistema solar, Miranda tem 4,5 bilhões de anos. Lembro-me de como as pessoas consideravam uma grande conquista naquela época a descoberta de uma lua nova de Urano.
Uma revolução em nossa compreensão do sistema de Urano – o planeta, seus anéis e luas começou em 24 de janeiro de 1986. Naquele dia, após uma viagem de 8 anos e meio, a espaçonave Voyager 2 navegou perto de Miranda. A gravidade de Urano então lançou a espaçonave para Netuno. A Voyager retornou 4.300 fotos em close do sistema de Urano e uma grande quantidade de outros dados.
Os cientistas planetários descobriram que Urano é cercado por um intenso cinturão de radiação, elétrons e prótons presos pelo campo magnético do planeta. A Voyager voou por esse cinturão de radiação, medindo o campo magnético e as partículas presas à medida que avançava. Ele também detectou – na mudança de timbres, harmonias e nuances, mas principalmente em fortíssimo – uma cacofonia de ondas de rádio geradas pelas partículas presas em alta velocidade. Algo semelhante existe em Júpiter, Saturno e Netuno, mas sempre com um tema e contraponto característicos de cada mundo.
Na Terra, os polos magnético e geográfico estão bastante próximos. Em Urano, o eixo magnético e o eixo de rotação se afastam um do outro em cerca de 60 graus. Ninguém ainda entende o porquê. Alguns sugeriram que estamos pegando Urano em uma reversão de seus polos magnéticos norte e sul, como acontece periodicamente na Terra. Outros propõem que isso também é consequência daquela colisão poderosa e antiga que derrubou o planeta. Mas não sabemos.
Entre as principais glórias do encontro da Voyager com Urano estavam as fotos. Com as duas câmeras de televisão da espaçonave, os astrônomos descobriram 10 novas luas, determinaram a duração do dia nas nuvens de Urano (cerca de 17 horas) e estudaram cerca de uma dúzia de anéis. As imagens mais espetaculares foram aquelas retornadas das cinco luas maiores e anteriormente conhecidas, especialmente a menor delas, Miranda, a lua de Kuiper. Sua superfície é um tumulto de vales de falhas, cristas paralelas, penhascos íngremes, montanhas baixas, crateras de impacto e inundações congeladas de material de superfície outrora derretido. Esta paisagem tumultuada é inesperada em um mundo pequeno, frio e gelado tão distante do Sol.
Talvez a superfície tenha sido derretida e retrabalhada em alguma época distante, quando uma ressonância gravitacional entre Urano, Miranda e Ariel bombardearam energia do planeta para o interior de Miranda. Ou talvez estejamos vendo os resultados da colisão primordial que pode ter derrubado Urano. Ou apenas concebivelmente, talvez, um mundo selvagem tenha destruído totalmente Miranda, desmembrado e explodido em pedacinhos, com muitos fragmentos de colisão ainda deixados na órbita da lua. Os fragmentos e remanescentes, colidindo lentamente, atraindo-se gravitacionalmente, podem ter se reagregado em um mundo tão confuso, irregular e inacabado como Miranda é hoje.
Para mim, há algo quase estranho nas fotos da Miranda sombria, porque me lembro muito bem de quando era apenas um ponto fraco de luz quase perdido no brilho de Urano, descoberto com grande dificuldade por força das habilidades e paciência do astrônomo. Em apenas meia vida, passou de um mundo desconhecido para um destino, cujos segredos antigos e idiossincráticos foram pelo menos parcialmente revelados.
Carl / Sagan – Professor David Duncan de Astronomia e Ciências Espaciais na Universidade Cornell em Ithaca, Nova York. Este artigo foi adaptado de seu novo livro Pálido Ponto Azul: Uma Visão do Futuro Humano no Espaço (Random House).
MEMÓRIA VISUAL I
Carl Sagan: The First New Planet
Astronomy Magazine March 1995
MEMÓRIA VISUAL II
Herschel Museum of Astronomy
Acervo: Alfredo Martins
MEMÓRIA VISUAL III
William Herschel
ÁRVORE GENEALÓGICA DE W. HERSCHEL
LINKS
The Herschel Museum of Astronomy is dedicated to the achievements of the Herschels: distinguished astronomers and talented musicians. It was from this house that William discovered Uranus in 1781.
2022 we commemorated the 200 year anniversary
of the death of William Herschel.
The Herschel 200 exhibition was a wonderful, collaborative commemoration of the 200 year anniversary of William Herschel’s death. We exhibited some incredible artefacts on loan from the Royal Astronomical Society and Herschel Family Archive which showcased William’s achievements.
WIKIPÉDIA