2018

Meteorito do Bendegó

Há 130 anos, Princesa Isabel recebia o Bendegó no Rio de Janeiro

PRÓLOGO

Fonte: Alfredo Martins

O Meteorito do Bendegó foi descoberto em 1784 no interior do estado da Bahia, localidade de Monte Santo, por graças da curiosidade de um menino chamado Domingos da Motta Botelho. Ele achou estranho que uma enorme pedra tinha a dureza do metal ferro. Comunicado às autoridades locais, houve uma primeira tentativa de remoção por esforço de três dezenas de homens. Uma segunda tentativa utilizando carros de bois igualmente foi frustrada pela enorme dificuldade de transportar o gigantesco peso, hoje estimado em 5.360 Kg de Ferro e Níquel. Após 104 anos e diversas visitas de cientistas internacionais que constataram sua natureza deste corpo celeste vindo do espaço, por solicitação do Imperador Dom Pedro II, uma comissão de engenheiros empreendeu com sucesso o transporte do espécime que ao cabo de dois anos foi recebido em 15 de junho 1888 no Rio de Janeiro pela Princesa Isabel. Considerado um dos primeiros meteoritos a serem reconhecidos no mundo e o 3º maior àquela época, ficou aos cuidados do Arsenal de Marinha da Corte e desde esta data encontra-se em exposição no Museu Nacional, sobrevivendo intacto ao grande e destruidor incêndio de 2 de setembro de 2018.

O GEA, por ocasião de sua participação na XXVI Assembleia Geral da União Astronômica Internacional em 2009 no Rio de Janeiro, aproveitou esta oportunidade para visitar o Museu Nacional / UFRJ / ME, localizado na Quinta da Boa Vista, São Cristóvão, RJ. Os associados Adolfo Stotz Neto, Tadeu José Pinheiro, Angela Tresinari e Alfredo Martins, ficaram maravilhados ao se deparar logo na entrada do museu com aquela peça que é um dos maiores ícones do seu acervo: o majestoso Meteorito de Bendegó. Na sua presença ao toque das mãos, está um objeto celeste de Idade de Exposição Cósmica de 940 ± 90 milhões de anos e Idade Terrestre de 122 ± 27 mil anos. É um testemunho real da formação do Sistema Solar, de nossas origens neste indecifrável Universo.

O maior meteorito brasileiro, na verdade, não existe mais. Ele teria sido o Santa Catharina, descoberto em 1875 na Ilha de São Francisco do Sul (SC). Ele pesava mais de 20 toneladas e é o meteorito com maior teor de níquel já encontrado no mundo. Lamentavelmente, sem saber que era um meteorito, a pessoa que descobriu a raridade vendeu-a como minério – e o Santa Catharina foi fundido na Inglaterra virando trilho ferroviário. Um fragmento dele pertencente ao acervo do Museu Nacional foi resgatado após o incêndio de 2018.

Atualmente, entre os maiores meteoritos encontrados que atingiram a Terra, são citados: Meteorito Hoba – Namíbia, África, com 60 toneladas; Meteorito Gancedo – Campo del Cielo, Argentina, com 30 Ton; Meteorito El Chaco – Campo del Cielo, Argentina, com 28 Ton; Meteorito Mbozi – Tanzânia, com 25 Ton; Meteorito de Bacubirito – México, com 24 Ton; Meteorito do Cabo York – Groelândia, com 20 Ton; Armanty – Xinjiang, China, 22 Ton.

Dentre as muitas publicações sobre este fabuloso meteorito, uma visão geral pode ser apreciada na WikipédiA – Meteorito do Bendegó & suas referências bibliográficas, a qual vai divulgada na sequência deste blog após a Memória Visual.

Segue ainda, a impressionante, assombrosa a importante descrição de Bendegó, que encontramos nos registros dos naturalistas alemães Von Spix e Von Martius , no original “Reise in Brasilien”, quando exploraram o Brasil imperial entre os anos de 1817 -1820. Seus relatos estão parcialmente traduzidos em “Através da Bahia” , por Drs. Pirajá da Silva e Paulo Wolf, publicado em 1938. Desde as páginas 264 para 274, lemos seu relato minucioso feito “in loco” deste extraordinário meteorito e toda sua conjuntura ambiental. Uma verdadeira preciosidade para a história da astronomia.

Também imperdível, é aproveitar na “Introducção e Preambulo” desta magnífica obra as raízes antropológicas, naturais e culturais do nosso Brasil profundo, A grandeza do homem e a indigência educacional descritas são os lastros que temos, sendo o último uma chaga que não nos livramos até os dias atuais. Mas vale sempre ressaltar a mensagem final do Dr. Pirajá da Silva, em agosto de 1916: “Curvemo-nos ante o Criador que, por sua infinita magnificência, nos mimoseou com o que de melhor na partilha da Terra.”

Salve o Meteorito Bendegó, que trouxe dos confins do tempo e do espaço, uma luz de ciência ao nosso deslumbrante e vilipendiado, mas resiliente, Brasil.

MEMÓRIA VISUAL

METEORITO DO BENDEGÓ

Fonte: Wikipedia, a enciclopédia livre


O meteorito do Bendegó, também conhecido como Pedra do Bendegó ou simplesmente Bendegó, é um meteorito que foi encontrado em 1784 no sertão do estado da Bahia, região da atual cidade de Monte Santo.

Com 5 360 quilos, é o maior siderito já achado em solo brasileiro. Pouco mais de cem anos desde a sua descoberta, foi transportado em 1888 para a cidade do Rio de Janeiro, passando a integrar o acervo do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista. Em 2018, o meteorito resistiu ao grande incêndio que destruiu o Museu Nacional.

Meteorito do Bendegó

Características

ClasseSiderito
LocalizaçãoRio de Janeiro – Brasil
Coordenadas10° 07′ 01″ S, 39° 15′ 41″ O

Características Físicas

Massa5 360 kg
Altura0,65 m
Largura1,5 m
Composto deFerro
Níquel
Cobaldo

Exploração

Data de descoberta1784

Retenção

ConservadorColeção de meteoritos no Museu Nacional
LocalizaçãoMuseu Nacional
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DESCOBERTA E PRIMEIRA TENTATIVA DE TRANSPORTE

O meteorito do Bendegó foi encontrado em 1784 pelo menino Domingos da Motta Botelho, que pastoreava o gado em uma fazenda próxima à atual cidade de Monte Santo, no sertão da Bahia. É provável que essa descoberta tenha sido no mês de junho daquele ano, conforme ofício enviado pelo governador da Bahia, D. Rodrigo José de Menezes, ao Secretário de Estado Martinho de Mello e Castro, determinando a remoção do meteorito. O ofício, enviado em setembro, referia-se a que três meses antes, havia sido comunicado por Bernardino da Mota Botelho, pai do menino Domingos, da descoberta de um corpo “que parecia ferro” em um roçado de sua propriedade. Essa primeira remoção foi frustrada, pois durante uma operação de descida até o riacho Bendegó, o carro de bois ficou sem os freios e caiu no leito do riacho, junto com o meteorito, a 180 metros do ponto de partida. Depois disso, a operação foi abandonada e só seria retomada 104 anos depois, a pedido do imperador D. Pedro II, que havia tomado conhecimento do meteorito através da Academia de Ciências de Paris, durante uma visita à França. Assim que retornou ao Brasil, tomou as medidas para que fosse feito o transporte de peça para o Rio de Janeiro.

É o maior meteorito já encontrado em solo brasileiro. No momento do seu achado, tratava-se do segundo maior meteorito do mundo. Atualmente ocupa o 16.º lugar, em tamanho. A julgar pela camada de 435 centímetros de oxidação sobre a qual ele repousava, e a parte perdida de sua porção inferior, calcula-se que estava no local há milhares de anos.

A respeito do ano da descoberta há uma certa discrepância, sendo que a maioria das fontes, incluindo historiadores baianos como José Aras e José Calasans, citam o ano de 1784. Porém em alguns consideram o ano de 1774.

PRIMEIRAS PESQUISAS

Em 1810 a pedra foi visitada pelo cientista A. F. Mornay, que constatou realmente tratar-se de um meteorito. Com muita dificuldade conseguiu retirar alguns fragmentos, que foram enviados à Real Sociedade de Londres, junto com uma descrição de observações pessoais, para serem investigadas pelo cientista William Wollaston, que em 1816 publica um artigo sobre a pedra no periódico científico Philosophical Transactions.

Em 1820, os naturalistas alemães Spix e Martius foram conhecer o meteorito, encontrado ainda sobre os restos da carreta com a qual tinha despencado ladeira abaixo em 1785. Depois de atearem fogo à pedra por mais de 24 horas, conseguiram retirar alguns fragmentos que foram levados à Europa, o maior deles sendo doado ao Museu de Munique.

SEGUNDA TENTATIVA DE TRANSPORTE: COMISSÃO BENDEGÓ

Em 1886 o imperador Pedro II tomou conhecimento da existência do meteorito ao visitar a Academia de Ciências de Paris, e decidiu providenciar sua remoção da caatinga. Criou-se uma comissão de engenheiros sob liderança do oficial aposentado José Carlos de Carvalho. Em 1887, por ocasião do prolongamento da Estrada de Ferro de São Francisco, que passava a 108 quilômetros de onde estava o meteorito, esta comissão iniciou a segunda tentativa.

A Revista da Sociedade Brasileira de Geographia transcreve telegrama que avisa que a Comissão chegou à localidade onde estava o meteorito em 6 de setembro de 1887, iniciando os trabalhos no dia seguinte (dia da Independência do Brasil):

Chegamos a Bendegó no dia 06: inauguramos os trabalhos no dia 7. Assistiram as autoridades de Monte Santo. Assentámos a primeira pedra para marco do lugar onde cahio o meteorolitho, e denominamos este marco Pedro II, lavrando o competente termo. Tirámos photografias. No dia 9 começamos a suspender o meteorolitho e a explorar os caminhos”.

Esta data também é confirmada no relatório “Meteorito de Bendegó”, produzido por José Carlos de Carvalho em 1888.

O transporte da pedra da caatinga para a capital acabou se tornando uma das mais complexas empreitadas da história do transporte durante o Império. Por iniciativa do Visconde de Paranaguá, se providenciou o seu traslado num carretão puxado por juntas de bois, deslizando sobre trilhos.

Passou por Gameleira e Cansanção, chegando no dia 14 de maio de 1888 à estação ferroviária do Jacurici, município de Itiúba, depois de uma marcha de 277 dias pela caatinga. Ali foi embarcada para Salvador, chegando em 22 de maio de 1888. Lá ficou em exposição durante cinco dias, e em 1.º de junho embarcou no vapor Arlindo, seguindo para Recife, de onde foi enviado para o Rio de Janeiro, sendo recebido no dia 15 de junho de 1888 pela princesa Isabel, e entregue ao Arsenal de Marinha da Corte. Encontra-se no Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, tendo resistido ao incêndio ocorrido no museu em 2 de setembro de 2018.

No ponto de sua queda se construiu um monumento de pedra em forma de agulha piramidal, conhecido como Obelisco de Dom Pedro II. O marco continha inscrições homenageando a princesa Isabel, o imperador Pedro II, o ministro da agricultura Rodrigo Silva, o Visconde de Paranaguá e os membros da Comissão de Transporte do Bendegó. Poucos anos depois este marco foi destruído por moradores da região, por crerem que a seca era um castigo do céu pela remoção da pedra. Depois de escavar o local encontraram uma caixa de ferro contendo o termo de inauguração do trabalho de remoção, e um Boletim da Sociedade Brasileira de Geografia, que publicava um memorial sobre o meteorito.

Na chegada à Estação Ferroviária de Jacurici, um povoado do município de Itiúba, a Marinha do Brasil construiu um formoso obelisco, que ainda se encontra de pé e é conhecido como Obelisco Bendegó, para servir como marco memorial aos serviços de engenharia da logística que foi providenciada para o transporte do meteorito.

MEDIDAS, COMPOSIÇÕES E RÉPLICAS

O meteorito mede aproximadamente 2,20 metros por 1,45 metros e 58 centímetros e tem um peso de 5 360 quilos. Tem formato achatado, parecendo uma sela. Um extremo do meteorito foi cortado para análise, determinando-se a sua composição de ferro e 6,5% de níquel com outros elementos em pequena quantidade. Os resultados da análise foram publicados em Estudo sobre o Meteorito do Bendegó, Rio de Janeiro 1896.

Foram construídas quatro réplicas da pedra, em tamanho real. A primeira foi confeccionada em madeira para figurar na Exposição Universal de Paris em 1889, e está no Palais de la Découverte em Paris. A segunda, em gesso, foi feita na década de 1970 e está no Museu do Sertão em Monte Santo, próximo ao lugar onde o meteorito foi originalmente encontrado. Outras se encontram no Museu Geológico da Bahia, em Salvador, e no Museu Antares de Ciência e Tecnologia, em Feira de Santana.

IMPORTÂNCIA PARA A REGIÃO

Muitos habitantes da região ressentem o fato de a Pedra ter sido levado para o Rio de Janeiro. Lê-se no cordel A Saga da Pedra do Bendegó:

“A pedra constituída
De Ferro, Níquel e encanto.
Até o dia de hoje
Provoca tristeza e encanto
Queremos nossa pedra de volta
De volta pro nosso canto.”

A Saga da Pedra do Bendegó

REFERÊNCIAS

Geologia – Meteoritos. Museu Nacional – UFRJ. Consultado em 18 de junho de 2017. Arquivado do original em 10 de novembro de 2009.

– Carvalho, Wilton Pinto de (2010). O Meteorito Bendegó: História, Mineralogia e Classificação Química (PDF). Repositório Institucional da UFBA (Dissertação). Universidade Federal da Bahia. p. 125.

Meteorito de Bendegó. www.meteoritos.com.br.

– AGUIAR, Durval Vieira. Descrição Prática da Província da Bahia, Salvador 1888.

Bendego meteorite (em inglês).

– DUNLOP. C. J. Rio Antigo. Volume I. Rio de Janeiro; Grafica Laemmert Ltda, 1955.

– Carvalho, J.C. (1888). Meteorito de Bendegó. Relatório apresentado ao Ministério da Agricultura, Commercio e Obras Públicas.e à Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro. (PDF). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. p. 20.

Imagens mostram destruição na área interna do Museu Nacional; meteorito foi uma das poucas peças que resistiu ao fogo. G1. 3 de setembro de 2018. Consultado em 3 de setembro de 2018.

– Carvalho, Wilton Pinto de. Os Meteoritos e a História do Bendegó. Salvador: W. P. de Carvalho, 1995.

ATRAVÉS DA BAHIA – VON SPIX E VON MARTIUS

EXCERPTOS DA OBRA “REISE IN BRASILIEN”

Tradução por Drs. Pirajá da Silva e Paulo Wolf

INDICE

Introducção9
Preambulo15
Preambulo á 2a edição21
Viagem de Malhada pelo interior da Provincia da Bahia a Capital, Bahia de Todos os Santos24
Estada na Cidade do Salvador ou Bahia88
Viagem a Comarca dos llheos e volta á Bahia165
Viagem pelo sertão da Bahia a Joazeiro, á margem do S. Francisco227
Estada em Joazeiro288
Opiniões a respeito deste livro822

INTRODUCÇÃO

Dizer quem foi Carlos Frederico Philippe von Mar­tius, entre os batalhadores da sciencia e os que melhor e mais providamente a serviram, e cousa a que me abalançarei aqui sem injuria a brasileiros, ainda aos da mais mediana cultura.

Von Martius que, por campo de suas notabilissimas investigações científicas, elegeu o nosso Brasil, acabou amando-o tão profundamente, porque também tão a fundo o conheceu, como ninguém, que ao serviço inestimável que nos prestou, divulgando, encarecendo os thesouros da nossa natureza. incomparável quiz, na previsão do nosso futuro nacional traçar-nos a trajectoria que a sua visão clara das cousas antevia.

Viajou largamente através do nosso paiz e o fez n’uma época (1817-1820} em que a terra virgem, em sua mór parte ainda não devassada pelo cultivador rude, offerecia ao viajante todos os encantos e galas da intacta natureza. O sabio prof1tndamente se deixou impressionar dessa natureza seductora e subiu ainda mais na es­cala dos affectos e de sincera sympathia por esta terra que elle tanto amou.

Von Martius, o botanico eminente, autor de um dos mais extraordinarios monumentos de que a sciencia se orgulha, tinha tão apurado o sentimento do justo e do honesto que, nos seus escriptos, tudo respira sympathia, tudo é estudado e exposto com aquelle respeito sincero, aquella medida de ponderação, que jamais degenera em uma censura ou queixa ou se deixa exceder em concei­tos pejorativos ante o aspecto descaroavel das coisas.

A sua sciencia, profunda n’um animo bem equili­brado e sempre aberto à sympathia, torna summamente agradavel a leitura das suas relações de viagem. Von Martius e escriptor elegante, e, porque se compenetra, intimo, das scenas da natureza, descreve-as com mestria que, por vezes, arrebata.

O seu contacto forçado com os indios, onde, não raro, era elle o unico homem branco da equipagem nas canôas no Alto-Amazonas longe de lhe dar tédio ou dispertar desconfiança, ascende, ao contrario, em sympathia por esses aborigenes em extrema rudeza”. . . e a cada passo, de dia e de noite, diz elle, pude fazer delles objecto de observação, cujo interesse scientifico se argumentava pela sympathia que o homem deve ao homem.”

Von Martius viajou pelos sertões da Bahia, e essa parte das suas relações de viagem, que tanto nos inte­ressa, jamais se verteu para o portuguez, ou para lingua mais accessivel ao nosso meio latino.

Poucos entre nós a conhecem. Eu mesmo, que em 1878 fiz quasi o mesmo trajecto do sabio bavaro e o des­crevi, não a tinha lido e lhe ignorava o valor que a traducação, tão elegantemente feita agora pelo Dr. Pirajá da Silva, me depara.

O que era o sertão da Bahia, na segunda década do século XIX, descreve-o o sabio viajante com tão grande copia de informações, com tão vivas cores do verdadeiro que, quasi sessenta annos depois, ainda o quadro da na­tureza não tinha desmerecido. Encontrei-o o mesmo nos aspectos physicos, o mesmo, quasi identico, nos as­pectos moraes, tão impercepivel a alteração que o evoluir das cousas lhe teria produzido.

Lê-se com prazer aindsa hoje essa descripção do sertão do S. Francisco e do Alto do Rio de Contas, com trajevto de Carinhanha, por Monte Alto, Caetité e Villa Velha; a do Bom Jesus sobre os montes de Itubira; a das luvras diamantinas, com seus poços e grunas no turvo Paraguassú: a das matas virgens dentre o Sincorá e a chapada de Maracás. Com prazer, que a bela traducção ainda faz avultar, pois que com tanto amor e escrupulosa lealdade a fez o D. Pirajá, se acompanha a narrativa do ilustre viajante na parte que mais directamente affecta á nossa cidade do Salvador, de há um seculo atraz, as suas construcções, os seus costumes e os seus aspectos naturaes, tão pitorescos e tão variados.

O autor sente-se animado de uma real e nunca desmentida sympathia. Vê o lado bom e prospero das cousas e o aponta e o descreve com tanto escrupulo e minudencia quanto é o seu tacto e o seu modo cavalheiro de ver e de referir o que, por ventura, o tenha chocado ou se torne passivel de reparo.

Nesse periodo da nossa historia, quando o Brasil-Reino, refugio da dynastia de Bragança e cabeça da monarchia portugueza, ensaia os primeiros passos para independencia nacional a cidade do Salvador, com deixar de ser o centro do Governo, não perdera, comtudo, a sua importancia de porto commercial de primeira ordem, de emporio que era, a esse tempo, da exportação de assucar. A ascendencia economica, que dali lhe vinha, dava-lhe também a preeminencia, a hegemonia politica, entre as diversas partes do paiz. Os filhos da Bahia, notaveis pelo seu saber e illustraçção, influiam nos conselhos da monarchia e a nossa cidade chegou a disputar ao Rio de janeiro a volta da séde do governo para o seu regaço.

Von Martius nos dcscreve a cidade desse tempo; os seus costumes e riquezas, os seus homens de prestigio social e de saber. Nota, com real admiração, a cultura litteraria de indivíduos eximios na latinidade; a distincção de maneira da gente da classe alta; o apuro no trajar de certos fidalgos; os meios de transporte por cadei­rinhas de arruar, algumas de certo gosto e luxo, condu­zidas por escravos pittorescamente trajados. Nota, com recato, os descuidos do aceio publico e as deficiencias de commodidades no apparelhamento sanitario domestico.

O aspecto da bahia, nas primeiras horas da manhã, quando de todos os recantos della despontam no horizonte longinquo, as velas brancas dos barcos do Reconcavo, que demandam o porto e investem como uma im­mensa frota, que se avisinha para o assalto, lhe arranca expressões de verdadeiro poeta, embevecido ante a bel­leza do espectaculo. Von Martius descreve com verda­deiro sentimento esse quadro da nossa formosa bahia, pondo, como que a proposito, em destaque, tudo o que entre nós é bello e digno e concorre para nos distinguir.

Não é um escriptor atreito a lisonjas, mas um obser­vador em quem o saber aguça a sympathia.

Le-se com satisfação não menor a descripção da sua viagem a Ilhéos, das suas excurções através da matta virgem da lagôa de Almada e das terras banhadas pelas aguas do Itaype; as suas observacões a proposito de um ensaio de colonisação, ali tentado por alguns dos seus compatriotas; o scu regresso, a pé, ao longo da costa, à falta de barco que o transportasse a esta capital.

Von Martius, deixando a Bahia torrou de novo aos nossos sertões, agora da Cachoeira para o Noroeste a rumo da Itiuba, de Monte Santo e das terras das cabe­ceiras do Vasa Barris, onde, nas margens de um sub­-affluente deste, o Bendegó, examinou e tirou amostras do celebre meteorito desse nome, ora exposto no Museu Nacional do Rio de Janeiro, aos esforços de Orville Derby e da Sociedade de Geographia. Atravessou o S. Francisco em Joazeiro e deixou o territorio bahiano, pela estrada a1ta que o levou aos sertões do Pianhy e do Parnahyba.

Esta relação de viagem de Von Martius, traduzida agora, é um bello serviço que o Dr Pirajá da Silva presta às letras patrias. Andam de ha muito, amortecidos entre nós, estudos como esses que Von Martius e o seu ilustre companheiro, o Dr. Spix, então realisaram, e, não obstante, ha ainda tanto a colher e não somente respigar, nesse campo immenso em que a prodiga natureza nos offerece, bemfazeja, em possibilidades sem conta.

Na sciencia militante, de que é um dos mais bri1hantes exemplos e um modelo o proprio Von Martius, muito nos resta a fazer a nos brasileiros. A contribuição di­recta, nossa, nesse terreno, ainda não attingiu ao que mui honestamente é licito esperar de nós. Os trabalhos do Coronel Candido Mariano Rondon ahi estão a attestar que o que já podiamos ter realisado, com honra para nós, com sciencia nossa e prova de energia consciente, só tardiamemte o estamos agora realisando.

Possa essa obra de Von Martius, ora tão elegante­mente vertida para o portuguez, despertar nos nossos homens cultos, com ideal que as desillusões ainda não crestaram, o gosto pelas viagens scientificas e o desejo de as emprehender e incutir nos nossos governos o pen­sa,mento salutar de as promover e estimular, de as sustentar, com persistencia, ate consecução de resutados tangiveis.

Oxalá seja este o destino ecssa obra de Von Martius que, aos esforços do ilulstre scientista, Dr. Pirajá da Siva, ora se offerece ao publico brasileiro.


THEODORO SAMPAIO
Bahia, 22 de Agosto de 1916

PREAMBULO

Quelque pauvre qu’on soit, on laisse toujours quelque chose en mou­rant.PASCAL.

Depois da brilhante “Introducção”, feita pelo eminente Dr. Theodoro Sampaio, poderiamos entrar em assumpto, não fôra precisarmos dar ao leitor uma expli­cação desta arriscada empresa.

De ha muito que nos dominava o vivo desejo de vermos trasladada a vernaculo a celebre obra de VON MARTIUS E VON SPIX – Reise in Brasilien -, precioso escrinio, onde ha quasi um seculo, se acham guardadas valiosas observações, inestimaveis joias, recolhidas em terras do Brasil por aquelles sabios allemães.

Na impossibilidade de trasladar a português toda a obra, verdadeiro monumento erguido á nossa Patria, contentamo-nos de faze-lo na parte que diz respeito a Bahia (Volume 2, de paginas 594 a 766), a outros dei­xando o restante da tarefa por nos não sobrarem lazeres.

Indesculpável é a nossa desidia, permittindo ficas­sem ate hoje desconhecidas do grande publico tantas preciosidades, tantas bellezas!

Que verdadeiros patriotas e bem intencionados em­ preendedores, rumando o batel da vida para outros ideaes mais nobres, e, agora conhecedores dos incalculaveis thesouros encerrados no solo bahiano, possam, scientes da sua natureza, séde e extensão, exp1ora-los para maior beneficio deste grandioso Estado e da Nação Brasileira.

E são, os nossos sinceros votos que, se realizados, fartamente nos recompensarão o espirito, por esse afa­noso trabalho, que nos consumiu grande copia de esforço, tempo e bôa vontade.

Montanhas de ferro, grandes moles de marmore e de alabastro, ricos filões do nobre metal, que sulcam as entranhas da terra, poderosas jazidas, tudo, emfim não mais quedará na impassibilidade improductiva e latente.

Mais ação, menos verbalismo.

Façamos nossas as palavras do genial Ruy Barbosa: “E’ o dominio absoluto do “verbalismo”, esse vicio atro­phiador da energia mental das gerações nascentes, que uma das maiores auctoridades de Fran a nestes assumptos accusava, depois da catastrophe nacional de 1870, como a chaga de que mais soffria a educação naquelle paiz. (Preambulo ás Primeiras lições de coisas – Calkins).

O brasileiro, sob pena de ingratidão ou ignorancia não tem o direito de desprezar o concurso, que as outras nações cultas lhe tem prestado para o conhecimento e engrandecimento do seu paiz.

Muito devemos a França, representada por seos sabios: Saint Hilaire, Bompland, Liais e outros; a Alle­manha pela sua constellação de sabios: Martius, Spix, Humboldt, von der Steinen, Koch Grünberg; á Austria pelo seu nobre sabio, o Principe von Wied, por Natterer, Pohl, Kollar; a Inglaterra pelo seu notavel sabio Bates; á Hollanda, por Barleus, Piso Marcgraf; aos Estados Unidos, por Branner, Hartt, Orville Derby; a Suissa por Agassiz, Goeldi, o benemerito organisador do Museu Goeldi no Pará, e a Portugal, representado por seos illustres filhos: Pero Vaz Caminha, Gabriel Soares, Simão de Vasconcellos, Anchieta, Vieira, etc.

Somos o primeiro a reconhecer muitas falhas exis­tentes neste nosso trabalho, do que desde já nos peni­tenciamos, impetrando dos doutos a benevolencia e a conscienciosa collaboração. Entretanto, a nosso favor fica a só desculpa de que, se taes faltas existem, devem ser abonadas, pois que, ao empreendermos esta traducção, fizemo-lo dominado unicamente pelas mais sinceras intenções e com absoluta despreoccupação de alardear erudição.

Nem sempre foi possivel dar á phrase portuguêsa o mesmo meneio do original, em virtude da grande diver­sidade de indole dos dous idiomas.

Procurámos ater-nos, tanto quanto possivel, ao ma­ximo de fidelidade, evitando entretanto o disforme e por vezes o contra senso, como soe acontecer, quando exaggerada e a escravisação á traducção juxta linear.

Empregámos os verbos na primeira pessoa de plural, e se algumas vezes o fizemos na primeira do singular, foi tão somente em obediencia ao que praticou o autor.

Era intento nosso fazer acompanharem a traducção do texto todas as notas do autor, isto porem viria dif­ficultar a feitura deste livro, tornando-o por demais dispendioso.

Todavia, não nos pudemos furtar ao desejo de tra­duzir muitas dellas e na escolha presidiu sempre o cri­terio da maior importancia e valor pratico, bem que todas o sejam, no que justamente estava a difficuldade da selecção.

Julgámos de interesse juntar notas explicativas e outras de valor historico, colhidas em trabalhos antigos sobre a Bahia.

Foram por nós organizadas e devem correr por nossa conta, bem assim a redacção portuguesa da traducção.

Agradecemos ao illustre amigo Dr. Paulo Wolf a proficiente collaboração, que nos prestou na versão desta obra, por todos os titulos digna de ser conhecida e di­vulgada no Brasil.

Impõe-se-nos o dever de, aproveitando o ensejo, ma­nifestar o nosso reconhecimento ao bom amigo reconhe­cido scientista o Prof. Oscar Freire. O concurso que nos prestou auxiliando-nos, com gentil espontaneidade na revisão das provas deste modesto trabalho, consti­tuiu-se novo penhor de amizade e gratidão, já de ha muito conquistadas, quando sua dedicação e affecto fo­ram postos em prova que o coração não olvida.

A 15 de Setembro de 1914 foi apresentada ao Pri­meiro Congresso de Historia Nacional, reunido no Rio de Janeiro, uma proposta, “porque o Instituto Geo­graphico Brasileiro mandasse traduzir:- para o verna­culo e publicar as seguintes obras: de von Spix: und von Martins – Reise in Brasilien; de Pohl – Reise in Brasilien; de von der Steinen – Unter den Natur­völkern Zentral Brasiliens; de Max Schmidt – India­ nerstndien in Zentral Brasilien; de Th. Koch Griinberg – Zewei Jahre unter den Indianern; de von Martins – Beitriige zur Ethnog-raphie America’s; de Ehren- reich – Beiträge zur Völkerkunde Brasiliens.”

Esta proposta esta firmada por scientistas de gran­de e real valor: Roquete Pinto, Ramiz Galvão, Miguel Arrojado Lisboa, Fleiuss, Calogeras, Barão de Studart e Homero Baptista.

E, para terminar, só nos resta tributar um preito de homenagem a memoria do grande sabio – Carl von Martins – verdadeiro amigo e admirador do Brasil e do maior dos brasileiros – D. Pedro II.

Martius escreveu sobre o Brasil muitos trabalhos e todos elles do maximo valor scientifico.

Aqui viven por algum tempo, sempre encantado e fanatizado pelas grandiosidades do Brasil, por elle amado como sua segunda Patria, “er hat es aber ancu geliebt, wie sein zweites Vaterland”, erigindo-lhe na sua. genial “Flora brasiliensis”, assombrosa maravilha da mentalidade humana, um monumento aere perennius.

Ainda como revelação da sua genial lucidez de es­pirito, era a excellente escolha dos collaboradores.

Assim escreveu o sabio Alfonse de Candolle: “Si l’on objecte le nombre de ses collaborateurs, je dirai que la part de M. de Martius est trés considerable dans ses ouvrages, qu’elle est bien la plus grande, et qu’aprés tout c’est aussi un talent et un mérite de bien choisir ses aides et de marcher de bonne harmonie avec eux.”

Que primor sua “Historia naturalis palmarum!”

Jamais sera esquecido o nome de Martius, emquanto existirem palmeiras, disse Humboldt.

Proclamemos eviterna gratidão á memoria do grande benemerito – Carl Friedrich Philipp von Martins, amigo do Brasil, que precisa, apenas, do patriotismo de seus filhos, para alcançar todas as glórias que merece. Curvemo-nos ante o Criador que, por sua infinita munificencia, nos mimoseou com o que de melhor na partilha da Terra.

DR. PIRAJÁ DA SILVA
Bahia, 24 de Agosto de 1916

METEREÓLITHO DE BENDEGÓ

Através da vegetação da caatinga, cada vez mais densa e ao lado de altos cactos, Domingos da Mota nos conduziu para o N., cerca de duas leguas alem de sua fazenda. Quando chegamos a uma baixada menos en­capoeirada, vimos com alegria e sorpresa o fito dos nossos desejos no riacho Bendegó, actualmente secco. O meteorólitho não foi encontrado no logar em que hoje se acha, porem, cerca de 150 passos para 0. a alguns pés mais acima.

Lá o encontrou entre os matos o nosso guia, quando rapaz, em 1784, na occasião cm que procurava uma vacca desgarrada. O uranólitho tinha seu eixo longi­tudinal orientado de N. N. E. para S. S. O.

O governo foi logo sabedor da existencia desse blo­co de metal, que a principio se cuidou ser de prata e, por ordem do governador D. Rodrigo José de Menezes, o capitão-mor Bernardo de Carvalho tentou transpor­ta-lo. Fizeram um carro baixo sobre o qual puzeram com difficuldade, o bloco e, em vão, tentaram remove-lo com seis juntas de bois.

Um anno mais tarde, com vinte juntas de bois le­varam a carga até o riacho, de onde não mais puderam retira-la, ficando o carro enterrado na areia frouxa e impedido por um rochedo collocado na frente. Ainda encontrámos o bloco de metal repousando sobre a trave principal do carro, parcialmente coberto de areia, que mandamos remover, para conhecer todo o formato desse notavel objecto.

Ahi estava o bloco com seu grande eixo dirigido de E.N. E. para O. S. O.

DESCRIPÇÃO

A forma irregular lembra a de uma sella alon­gada. A extremidade, dirigida para L. é dividida em duas pontas muito afastadas enquanto a extremi­dade voltada para O. é mais estreita e simples. O lado do S. é o mais largo, o lado do N., que se reune em cima com o do S., formando angulo obtuso, apresenta em baixo uma escava ao profunda, que augmenta em largura para O. e é limitado para L. por uma protu­berancia muito saliente, em forma de pé.

A superficie não offerece, em ponto algum, planos rectilineos; é muito irregular e ora suavemente arqueada ou em corcova, ora cheia de ligeiras depressões, escavações, conchoides ou buracos sem saida.

Taes orificios sao hemisphericos, cilindricos ou co­nicos, tendo meia polegada ate duas de profundidade, e um quarto ate quatro polegadas de diametro; diri­gem-se verticalmente para o centro da massa metalli­ca ou estendem-se ao longo das principaes faces.

São mais abundantes no !ado voltado para o S. em numero superior a trinta.

Na grande chanfradura da base do bloco, que se termina para o S. numa aresta aguda, não se observam taes cavidades.

Entre as escavações a superficie apparece irre­gular, encrespada ou cannelada, ou em depressões esparsas, ou pequenos planos discoides, tendo de uma até seis linhas de diametro, provenientes da queda dos fragmentos escarniformes oxidados.

A côr do mcteorólitho é pardo-escuro em sua mor parte e cor de ocra nos logares cobertos de ferrugem.

0 maior comprimento do bloco é de 80 polega­das, pela medida parisiense; a maior largura trans­versal no lado S. é de 43 polegadas e meia; a maior altura na extremidade L. é 34 polegadas e meia e no de O., onde o ferro repousa na terra, é de 25 polega­das. O maior diametro da espessura, em baixo, na grande escavação, é de 37 polegadas e para a frente, na extremidade oeste, é de 34 polegadas.

Admittindo com peso especifico deste ferro com cerca de 17,300 libras parisienses, se o seu volume fosse calculado em 31 a 32 pés cubi­cos, por conseguinte devia ser uma das maiores entre todas as massas conhecidas de ferro meteorico. Nos ori­ficios do bloco se acham fragmentos de um quartzo gra­nuloso, muito duro, indicando pela forma e maneira de cohesão (na superficie ora maior ora mais fraca do que no interior) terem sido ligados por uma força que agiu subitamente.

A superficie desses pedaços de quartzo apresenta­-se ligeiramente arredondada ou angulosa; por fóra são de cor escura de ferrugem, attingindo tal côr profundi­dades differentes, mas desapparecendo para o centro, que é quasi branco.

Uma ferrugem, fina como poeira, cobre as fendas, as escavações e as partes da superficie menos expostas à chuva. Vestigios outros da influencia constante da atmosphera sobre o ferro encontrámos, não no logar em que o meteorólitho presentemente esta, porem no ponto em que foi primeiramente achado.

Observámos, numa extensão de seis braças quadra­das, diversos fragmentos destaeados, esparsos pelo solo. Este consta de uma camada muito delgada de terra fina, secca, de cor clara de ocre, misturada de granito em p6, tendo em baixo um granito compacto e averme­lhado.

No riacho Bendegó o granito é mais cinzento, com listras esbranquiçadas.

Como blocos erraticos, encontram-se esparsos pe­daços do quartzo já mencionado, de horneblenda escura, de schorl preto e de uma pedra semelhante ao epidoto, que revelou pela analyse chimica a mesma composição que o bloco de ferro, porem oxidado e hidratado.

Esta substancia apresenta-se em pedaços lisos de diversos tamanhos, ora eseamiformes, ora compactos.

Nos Iogares accessiveis do bloco de ferro, não mais encontramos vestigios desta substancia, porem, julga­mos ser ella a crosta do mesmo bloco, que se despregou pelo abalo, pela mudança de temperatura ou talvez, pe­Ios esforços empregados por occasião da primeira re­moção.

Descobrimos o granito em diversos logares, mas não encontramos em parte alguma coisa que se assemelhasse a uma jazida de ferro, de modo que, a nossa opinião, já anteriormente formada sobre a origem meteorica da massa, foi confirmada.

Depois de termos firmado esta convicção, era de grande importancia para nos, levarmos alguns fragmen­ tos desta colossal massa de ferro meteorico.

Encontramos, porem, difficuldades inesperadas.

As nossas limas e serras inutilizaram-se antes de penetrar algumas linhas na massa. Por meio de cunhas tambem não se poude effectuar a fragmentação das partes isoladas por buracos ou sulcos, de sorte que só nos restava a acção de repetidas martelladas. Com ef­feito, o bloco tinia de maneira diversa em differentes logares, o que parecia indicar um grau desigual de cohesão, talvez mesmo a existencia de fendas no interior. Mas, depois de martellar o dia inteiro, não obtivemos um só pedaço, pois todas as saliencias, que se podiam separar mais facilmente, já haviam sido cortadas por um artista, que tinha forjado o ferro e o achara muito util para seu mister.

Depois de tantos sacrificios nada podia ser mais desagradavel do que a insufficiencia dos nossos recursos. 0 embaraço augmentou pelo facto de se não encontrar uma gota de agua, numa distancia de duas horas de viagem e de sermos, por isso, obrigados a mandar, dia­riamente, dar de beber aos nossos cavallos, na fazenda Anastacio.

No segundo dia fizemos sobre a massa metallica uma grande fogueira, que mantivemos por 24 horas. Gragas a isso e ao premio promettido ao mais feliz tra­balhador obtivemos, por fim, no terceiro dia, diversos fragmentos, pesando algumas libras, dos quaes o maior está guardado no Museu de Munich.

Cortando esses pedaços, notamos a estructura cris­tallina de toda a massa e uma especie de superficie de secção conchoide em certas partes do interior, o que dava motivo a pensar tivesse havido fusão superficial e união intima das mesmas, que primitivamente estavam menos aconchegadas.

Sobre os fragmentos viam-se particulas de pyrite magnetica.

A massa não contem nem chrysolitho, que commu­mente se encontra nos blocos de metal meteorico, nem os outros componentes.

Na fractura radiada, feita pela picareta e pela li­magem, os pedaços são cor de prata.

A estructura indica uma cristalliza ao incompleta e algumas superficies do cristal provam pertencer a forma octaedrica.

Emquanto os sertanejos contractados nas fazendas vizinhas se occuparam em cortar pedaços do meteorólitho, trabalho que faziam invocando a cada martellada o auxilio de um santo, fizemos alguns passeios a cavallo aos logares mais proximos.

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